Com depoimentos de Armando Alves, Eduardo Lourenço, Fernando Echevarría, Fernando Guimarães, entre outras personalidades conhecedoras da vida e do trabalho deste matemático que colecionava livros, o documentário da autoria de Paulo Pinto teve estreia em 2017, no município de Ponte da Barca, onde Laureano Barros reuniu uma das mais extraordinárias bibliotecas privadas portuguesas da segunda metade do século XX.

O documentário é uma iniciativa daquela vila minhota e da editora Tinta-da-China, que no ano passado editou o livro “O grilo na varanda”, uma compilação da correspondência trocada durante 35 anos entre Laureano Barros e Luiz Pacheco.

Através de uma investigação quase antropológica, a partir de peças isoladas, exemplares da sua biblioteca, correspondência e testemunhos dos que com ele conviveram, o documentário de Paulo Pinto reconstrói a “incontornável mas distante” personalidade de Laureano Barros, segundo o site da RTP2, que transmite hoje o filme.

Descrito como um matemático de génio e amante da literatura, intelectual antifascista, homem notável, rigoroso, inflexível com a verdade e a liberdade, Laureano Barros teve uma vida intensa e sofrida.

Foi no Porto, nos tempos de estudante, que Laureano Barros começou a comprar livros, iniciando a sua enorme coleção graças aos alfarrabistas que frequentava.

Depois de ter sido um aluno exemplar, tornou-se professor de Matemática, mas foi precocemente afastado, por contestar o governo de Salazar e a polícia política do regime, a PIDE.

Laureano Barros foi expulso da universidade por ter subscrito uma carta de oposição à prisão, por ordem da PIDE, da estudante Nazaré Patacão.

Nessa altura passou a dar explicações de álgebra e cálculo infinitesimal para se sustentar, ao passo que os rendimentos das propriedades familiares de Ponte da Barca eram usados para comprar livros.

Esse era o seu grande vício e a ele se dedicou principalmente após a morte dos pais, quando se mudou para a quinta da família, onde colecionava preciosidades bibliográficas.

Após o 25 de Abril, ainda recebeu vários convites para voltar a lecionar nas mais prestigiadas universidades e escolas portuguesas, mas Laureano Barros era um perfecionista e não suportava situações menos que perfeitas, preferindo retirar-se, mesmo que isso tivesse implicações na vida e na carreira.

Foi assim que acabou por se isolar em Ponte da Barca, terra onde passou os últimos 30 anos de vida.

Quando morreu, em 2008, possuía uma biblioteca imensa, com primeiras edições de Fernão Mendes Pinto, António Vieira, Luís António Verney, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa ou António Nobre, mas também de obras juvenis de Guerra Junqueiro, Miguel Torga ou José Gomes Ferreira.

Da sua coleção constavam igualmente o primeiro livro de Herberto Helder, "O Amor em Visita", o primeiro livro de Mário Cesariny (de que tinha dois exemplares), “Corpo Visível”, um conjunto de edições portuguesas e estrangeiras dos cancioneiros medievais e edições raras de poetas quinhentistas de Ponte da Barca.

Apesar de se ter dedicado sobretudo à literatura portuguesa, colecionou também autores brasileiros, como é o caso de Jorge Amado, de quem possuía várias primeiras edições, e obras em língua estrangeira, como um exemplar raro da primeira edição de "Madame Bovary", de Gustave Flaubert.