A realizadora Aya Koretzky estreia “Time takes a cigarette” no encerramento do festival Porto/Post/Doc, no sábado, um retrato da cena punk dos anos 1970 e 1980 no Porto trazido aos dias de hoje.
Exibido pelas 21:15 de sábado no Batalha - Centro de Cinema, “Time takes a cigarette”, com cerca de meia hora de duração, partilha a sessão de encerramento com “Antoine et Colette”, obra de 1962 de François Truffaut, e “Agnès Varda - Pier Paolo Pasolini - New York - 1967”, obra recuperada em 2022 em que a cineasta acompanha o italiano pelas ruas nova-iorquinas com uma câmara de 16mm.
A nova curta-metragem, apresentada em estreia mundial no Porto/Post/Doc, surge justamente de um projeto do festival, o “Working Class Heroes”, organizado em parceria com a Filmaporto e visando apoiar a produção de cinema no Porto.
‘Roubando’ um verso de “Rock n Roll Suicide”, de David Bowie, para título do filme, Koretzky filmou jovens atores e não-atores de hoje com base em cinco fotografias de quem esteve no coração do movimento punk e punk rock no Porto entre o final dos anos 1970 e o início dos anos 1980.
O final do Estado Novo, com o 25 de Abril de 1974, e a dinamização trazida por discotecas como o Griffon’s ou o La La La, levaram ao surgimento de bandas como Cães Vadios, Guru Paraplégico ou Iconoclastas, entre outras.
“Queria centrar-me na memória dessas pessoas, porque até agora tenho trabalhado muito a memória, mas nas histórias pessoais, da minha família. Este tema do punk rock, no Porto, interessou-me bastante. Cresci num universo semelhante, embora noutra época e em Coimbra. Para mim, era-me familiar”, contou a realizadora, em entrevista à Lusa.
Contando com cinco pessoas - Pedro Sousa Pereira (Pedro Kron), Fernanda Gonçalves, Bernardo Queiroz, Guilherme Lucas e Carlos Moura -, as suas memórias e narrativas desse tempo, Koretzky voltou a outra forma habitual de trabalhar, sobre fotografias, para escolher cinco registos.
Essas fotografias foram recriadas por jovens do presente, “com mais ou menos a mesma idade”, e os ‘tableau vivants’ criados dialogam com as vivências relatadas, “com cada um a falar de coisas diferentes, mas sempre num contexto de memória pessoal e coletiva”.
“Queria fazer um filme experimental, de arte, que misturasse documentário e ficção. [...] Foi mais uma abordagem diferente. Não é a minha família, não é sobre mim, e tinha de articular com a narrativa de outras pessoas. Foi fantástico”, conta.
Segundo Koretzky, a imagem sobreposta com o ‘voz off’ de cada um dos cinco ‘protagonistas’ permite “dar um panorama de uma geração, daquela época e daquela cultura”.
Depois de várias obras mais próximas da família, o olhar externo permite também dialogar com os outros dois filmes da sessão, juntando-a a Agnès Varda e Truffaut, realizadores que admira e que permitirão aos espectadores “cruzar informações e universos de filmes”.
“O que o liga muito aos meus trabalhos anteriores é a questão da memória contada na primeira pessoa. O exercício estético-formal que é trabalhar a fotografia como imagem de arquivo, mas neste caso não estou a filmá-la, mas a reproduzi-la com atores. [...] Foi interessante constatar que o punk rock no Porto é um tema que tem pano para mangas e que merece ser aprofundado”, afirma.
Quanto a “Time takes a cigarette”, terá mais vida também enquanto exposição, apontada para a segunda metade de 2024 no Espaço Mira, em Campanhã, que permitirá dividir as histórias em cinco ecrãs, cada um dedicado a uma narrativa.
Nascida em Tóquio em 1983, Aya Koretzky licenciou-se em Pintura, em 2006, e estudou cinema em Lisboa e Paris, surgindo em 2011 com “Yama no Anata (Para além das montanhas)”, que mostra as impressões da realizadora japonesa, a viver em Portugal desde criança.
“Yama no Anata (Para além das montanhas)” recebeu os Prémios Doclisboa de 2011 e Restart, além de outras distinções no Festival de Cinema Luso-Brasileiro, enquanto “A Volta ao Mundo Quando Tinhas 30 anos” foi distinguido no próprio Porto/Post/Doc, em 2018, com o prémio Teenage.
Esse documentário recebeu ainda o prémio “Bright Future”, destinado a primeiras obras de longa-metragem, no Festival Internacional de Cinema de Roterdão de 2019.
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