As salas do Cinema Monumental, em Lisboa, vão fechar no dia 20 de fevereiro de 2019.
A decisão foi avançada hoje por Paulo Branco, numa conferência de imprensa convocada para abordar a situação dos cinemas e os "projetos para o futuro” da Medeia Filmes, a sua empresa de distribuição e exibição que fazia a gestão do espaço.
Justificando que a manutenção da exploração “é impensável” em termos económicos, o produtor avançou que “havia condições de exceção para explorar o espaço, mas não era viável continuar”.
A intenção dos proprietários do edifício onde se situam os cinemas é manter a atividade cinematográfica depois de remodelar o edifício.
A empresa MP Properties explicou à agência Lusa que o edifício vai ser remodelado – no interior e na fachada -, com as obras a iniciarem-se no segundo semestre de 2019, com a duração de um ano, num investimento de 20 milhões de euros.
O objetivo dos proprietários é manter a valência de cinema no edifício e “encontrar um operador interessado em explorar”, já que Paulo Branco confirmou que a ligação a estas salas de cinemas terminará quando se iniciarem as obras.
O Cinema Monumental tem quatro salas com capacidade para mais de 800 espectadores, com uma programação que privilegia o cinema independente e de autor, com destaque para o europeu. Também é um dos poucos cinemas onde é proibido o consumo de pipocas e as sessões não têm intervalo ou são antecedidas por vários minutos de publicidade.
A sala maior, o Cine-Teatro, com 378 lugares, permanece uma das maiores de Lisboa e acolheu antestreias que contaram com a presença de grandes personalidades do cinema internacional, incluindo os realizadores Bernardo Bertolucci, David Cronenberg, Christophe Honoré ou Nanni Moretti, e os actores Catherine Deneuve, Isabelle Huppert, Robert Pattinson e Mathieu Amalric.
O produtor explicou que a decisão de encerramento já tinha sido tomada há algum tempo, mas não tinha uma data definida. As salas irão manter-se em funcionamento normal até ao último dia, quando terá lugar uma homenagem ao realizador João César Monteiro, com uma "revisitação da obra".
A seguir, apenas irá abrir algumas "sessões ao fim de semana, que serão organizadas pela Medeia" enquanto se aguarda uma reestruturação do próprio edifício.
Em Lisboa, Paulo Branco manterá apenas a exploração do cinema Nimas, próximo do Monumental, onde reforçará a programação.
Enquanto exibidor, através da Medeia Filmes, Paulo Branco tem ainda programação regular de cinema fora de Lisboa, "na província, onde já há um vazio enorme": Teatro Municipal Campo Alegre e no Rivoli (Porto), no Cinema Charlot (Setúbal), no Centro de Artes e Espetáculos (Figueira da Foz), no Theatro Circo (Braga) e no Teatro Académico Gil Vicente (Coimbra).
"Se fechamos é para fazer melhor, não é para parar", disse Paulo Branco, sublinhando que pretende continuar a mostrar cinematografias de todo o mundo e com "escolhas criteriosas" de realizadores.
Por causa desta mudança de exploração no Monumental, quatro trabalhadores saíram da Medeia Filmes.
Em poucos anos, a exibidora teve de fechar só em Lisboa os cinemas King, lamentando então o desinteresse dos portugueses no ato de ir ao cinema, e ainda o Ávila, Saldanha Residence (que passou para outra empresa e fechou definitivamente em 2015) e Fonte Nova (Benfica), passando ainda a gestão das salas do Alvaláxia à NOS.
Atualmente, em Lisboa só existem três salas de exibição fora dos centros comerciais: o Cinema Ideal, no Chiado, remodelado e reaberto pelo produtor Pedro Borges em 2014, o Cinema Nimas, explorado por Paulo Branco, e o City Alvalade, explorado pelo exibidor Cinema City.
Nos últimos anos, Lisboa viu ainda desaparecer o cinema Londres, encerrado em 2013 por falência da exibidora Socorama e convertido numa loja.
A segunda vez que o Monumental perde as suas salas de cinema
O espaço original, Cine-Teatro Monumental, inaugurado a 14 de Novembro de 1951 e projetado pelo arquiteto Raúl Rodrigues Lima, tinha uma sala de cinema com 2710 lugares e outra para teatro e outros espetáculos composta por 1182, além de um café-restaurante e uma sala para exposições artísticas.
Era a "era das catedrais" erigidas à Sétima Arte em Portugal, inaugurada pelo cinema S. Jorge e que incluía por exemplo o Condes e Império, onde, da imagem ao som e tudo à volta, tudo era grande.
O Monumental tornou-se a maior referência de Lisboa (vários imagens do espaço podem ser vistas no Restos de Colecção) e por lá passaram alguns dos maiores eventos cinematográficos do seu tempo, como a reposição de "E Tudo o Vento Levou" e as estreias de "Ben-Hur", "West Side Story", "My Fair Lady", "2001- Odisseia no Espaço" e, claro, "A Guerra das Estrelas".
Em 1971, acrescentou-se uma segunda sala de cinema, chamado "Satélite", de reduzidas dimensões e com 208 lugares, no último piso do edifício, onde era o salão-chá, numa tentativa para ir ao encontro dos novos tempos e hábitos do público.
Isto não impediu o declínio ao longa da década em consequência da quebra de espectadores causada pelo aparecimento de salas de cinema mais pequenas mas com programações mais atrativas, o entretenimento oferecido pela televisão e outras formas de espetáculo que chegaram a Portugal graças às alterações políticas após a Revolução de 25 Abril de 1974.
O arquiteto Raúl Rodrigues Lima projetou uma remodelação do seu projeto em que a grande sala seria dividida em várias mais pequenas e a entrada seria transformada em várias lojas, mas não avançou: sem público para justificar os custos de manutenção da gigantesca estrutura, a Câmara Municipal de Lisboa decretou a demolição do edifício em 1982.
Apesar da enorme onde de contestação, a última sessão de cinema foi a 27 de novembro de 1983 e o edifício desapareceu no ano seguinte, no que é considerado por muitos um dos maiores crimes patrimoniais e culturais provocados pela especulação imobiliária em Portugal.
No local nasceu o atual edifício com o centro comercial de fachada espelhada com lojas, escritórios e as quatro salas de cinema, inauguradas em 1993 e projetadas pelos arquitetos Egas José Vieira e Manuel Graça Dias.
Comentários