O Ministério da Cultura não autorizou a desafetação do cinema Monumental, em Lisboa, para outras atividades sem ser a exibição cinematográfica, segundo um despacho a que a Lusa teve acesso.
De acordo com o despacho, o ministro da Cultura ainda em funções, Pedro Adão e Silva, indeferiu o pedido da imobiliária Merlin Properties para que o cinema Monumental possa ser transformado para acolher outro tipo de atividade, e recomendou que “a decisão de desafetação seja objeto de ponderação especialmente cuidada”.
A justificar a decisão, Pedro Adão e Silva considera que “as salas de cinema são um bem escasso, que elas cumprem uma importante função cultural na vida pública e que não foram esgotadas as possibilidades de reativação do Cinema Monumental”.
As quatro salas do cinema Monumental, que deixaram de exibir em 2019, estão situadas num edifício, propriedade da empresa imobiliária Merlin Properties (MP Monumental), que foi alvo de reformulação e que acolhe atualmente o banco BPI.
Em julho de 2023, a MP Monumental fez um pedido ao Ministério da Cultura para desafetar os espaços das quatro salas de cinema para outra atividade.
No despacho assinado agora pelo ministro lê-se que a MP Monumental queria adaptar as salas de cinema para acolher o projeto TUMO, um centro de tecnologias criativas da Associação Topsail, em regime de comodato até junho de 2031.
Quando recebeu o pedido de desafetação em 2023, o ministro da Cultura disse à agência Lusa que antes de tomar qualquer decisão queria saber o estado em que estavam as salas e se haveria potenciais interessados na exploração do equipamento, porque a cidade precisava de “ter cinemas, cinemas com porta para a rua, que garantam a diversidade da programação”.
Segundo o despacho, inicialmente quatro empresas de exibição manifestaram-se interessadas em reabilitar e manter as salas de cinema, mas no decorrer das negociações ficaram apenas duas propostas, da Cinebox e da Cinetoscópio.
No entanto, a Merlin Properties disse “ter esgotado definitivamente as negociações com potenciais interessados”, por considerar que “o risco, o perfil das empresas candidatas à exploração do espaço e o montante a investir” não justificava o investimento.
A Inspeção-Geral das Atividades Culturais (IGAC) fez uma vistoria às salas, a pedido do Ministério da Cultura, e concluiu que “se encontram muito danificadas, não estando aptas a desenvolver atividade cinematográfica sem que se realizem obras de muito considerável dimensão”.
Os proprietários justificavam ainda que a exibição de cinema tem atualmente “a concorrência cada vez mais feroz das plataformas de ‘streaming’” e tinham dúvidas sobre “o conceito inovador” de uma das empresas propostas, a Cinetoscópio.
O Ministério da Cultura manifestou “reservas” perante os argumentos da MP Monumental e reiterou que “não fica demonstrado que se tenham esgotado as possibilidades de o espaço ser utilizado para o fim para o qual está licenciado”, que é a exibição de cinema, pelo que indeferiu o pedido da imobiliária.
As quatro salas do cinema Monumental tiveram atividade até 2019 num edifício de comércio e escritórios inaugurado em 1993 no mesmo espaço onde antes tinha funcionado o antigo, e icónico na cidade, Cine-Teatro Monumental.
Atualmente, em Lisboa só existem três salas de exibição regular fora dos centros comerciais: o Cinema Ideal, no Chiado, reaberto pela Midas Filmes em 2014, o Cinema Nimas, explorado por Paulo Branco, e o City Alvalade, explorado pela exibidora Cinema City.
A demolição de recintos de cinema ou a sua afetação para outras atividades, que não a exibição cinematográfica, depende sempre de uma autorização do membro do Governo responsável pela área da Cultura.
No verão de 2023, quando foi noticiado o pedido de desafetação do cinema Monumental, várias associações, produtoras e exibidoras de cinema assinaram um texto comum, publicamente, que apelava à manutenção da exibição naquelas salas.
Os signatários, entre os quais a Associação de Produtores Cinema e Audiovisual, a Associação Portuguesa de Realizadores, os festivais DocLisboa, IndieLisboa e Curtas de Vila do Conde, as produtoras Midas Filmes, O Som e a Fúria e Alambique, e a exibidora Cinemas Castello Lopes lembravam que “o país, e Lisboa em particular, tem uma gritante falta de cinemas, e sobretudo de cinemas que não sejam apenas lojas anónimas de centro comercial”.
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