O que têm em comum produções portuguesas como “Depois do Adeus” e “Rosa Fogo” e os mais recentes “blockbusters” da Marvel, como "Guardiões da Galáxia" ou "Vingadores: Guerra do Infinito"? Um nome português: Duarte Elvas, que criou alguns dos genéricos mais elogiados dos últimos tempos, e que esteve à conversa com o SAPO Mag.
Lisboeta de 38 anos, Duarte Elvas ganha a vida como "motion designer" e distinguiu-se inicialmente como um dos responsáveis pela criação de alguns dos mais memoráveis genéricos nacionais dos últimos anos, como o da série "Depois do Adeus" e das novelas "Rosa Fogo" e "Sinais de Vida".
Em 2013, mudou-se para Chicago para tentar o sonho americano e conseguiu: após trabalhar no genérico de séries como "The Trophy Wife" e "Brooklyn Nine-Nine", tem sido um dos principais autores, com responsabilidades cada vez mais acrescidas, pelos genéricos iniciais ou créditos finais dos filmes da Marvel, desde "Capitão América: O Soldado do Inverno" (2014) a "Vingadores: Guerra do Infinito", que acaba de estrear e do qual só agora pode revelar alguns segredos.
Pelo meio, ainda tem tempo para fazer alguns projetos mais pessoais, como o genérico para a nova curta-metragem de Filipe Melo, "Sleepwalk", que vai ter a sua estreia mundial no IndieLisboa já a 28 de abril.
A partir de Chicago, Duarte Elvas falou ao SAPO Mag sobre como foi parar aos Estados Unidos e acabou a fazer os genéricos de alguns dos mais populares blockbusters dos últimos tempos.
SAPO Mag (S.M.): Para quem possa não saber de imediato, o que faz exatamente um "motion designer"?
Duarte Elvas (D.E.): Um "motion designer" é, acima de tudo, um designer e, como tal, tem como objectivo encontrar soluções criativas para determinados problemas. No nosso caso, contamos histórias com imagens em movimento usando uma variedade de disciplinas artísticas: a animação, o design gráfico, a ilustração, a cinematografia, entre outras. O trabalho pode ser parte de uma peça maior, como acontece com os genéricos ou uma animação para um videojogo, ou pode ser uma peça única como um spot publicitário ou uma projecção de "videomapping". É uma forma de manifestação artística híbrida e muito versátil.
S.M.: Como começou esta aventura profissional? Os seus estudos superiores foram feitos nos EUA, mas entre 2005 e 2012 fomos acompanhando o seu trabalho em Portugal, nomeadamente na área televisiva.
D.E.: Apesar de ter um curso de cinema e televisão, como tinha interesse em efeitos e "motion graphics", comecei a trabalhar como "motion-designer" numa produtora de televisão em Lisboa. O meu primeiro grande projecto foi "Os Grandes Portugueses" [2007] para a RTP.
Uns anos mais tarde comecei a trabalhar também com a SP Televisão em vários projectos, não só nos genéricos mas também nos efeitos visuais dos episódios. Aprendi muito nestes primeiros anos com a experiência, mas senti necessidade de uma formação académica em "motion design", por isso decidi fazer um mestrado nesta área e voltei para os EUA. Esta decisão acabou por me abrir as portas para a carreira que estou a construir.
S.M.: Além das telenovelas "Rosa Fogo" (SIC, 2011-2012) e "Sinais de Vida" (RTP, 2013), foi o responsável pelo genérico da série "Depois do Adeus (RTP, 2013), muito curioso por implicar referências gráficas à época do pós-25 de abril. Como foi esse trabalho?
D.E.: O "Depois do Adeus" foi um projecto tão desafiante como fascinante. Explora uma época sobre a qual só tinha ouvido falar e não sabia muito. Todos os episódios tinham imagens de arquivo e todas tinham que ser tratadas com efeitos de forma a manter um estilo e uma linguagem coerente.
Em vários casos, integrámos os actores da série nas imagens da época, o que não foi uma tarefa fácil devido à qualidade das imagens disponíveis. Tivemos que filmar os atores em "chroma" [fundo verde] e replicar os movimentos de câmara, a iluminação, etc., de forma a que ficassem bem integrados.
Para o genérico, seguimos o conceito de um mural a ser pintado. Apresentamos os atores da série com cada pincelada, sobre fundos compostos de imagens de arquivo e jornais da época. Foi o primeiro projeto em que trabalhei mais remotamente, visto estar a completar o mestrado. Adorei o "Depois do Adeus"! Ver e fazer...
S.M.: A partir de 2013, parece ter dado um salto definitivo na arena internacional, com a trabalho na Sarofsky, em equipas que trabalharam os genéricos dos filmes da Marvel. Como se processou essa transição?
D.E.: Conheci a Erin Sarofsky [presidente e fundadora da Sarofsky] na Universidade durante uma visita dela em que avaliava o currículo de Motion Media na SCAD [Savannah College of Art and Design]. Tinha já nessa altura uma grande admiração pelo trabalho do estúdio com genéricos para as séries "Shameless" [2011 até ao corrente] ou "The Killing" [2011-2014]. Ela gostou do meu trabalho e convidou-me para estagiar em Chicago quando terminasse o curso.
No Verão de 2013, mudei-me para Chicago e comecei a trabalhar com a Erin. Ao fim de três meses, já tinha trabalhado em "Trophy Wife", "Brooklyn Nine-Nine" e vários outros "pitches" para grandes séries que não ganhámos. A Sarofsky tinha uma relação bem estabelecida com os irmãos Joe e Anthony Russo, com quem tinham trabalhado em "Community" [2009-2015], "Animal Practice" [2012] e "Happy Endings" [2011-2013].
Quando eles tiveram a oportunidade de realizar o "Capitão América: O Soldado do Inverno" [2014], sugeriram à Marvel que nos permitissem apresentar as nossas ideias. E acabámos por ganhar! É, provavelmente o meu preferido, e foi um projecto determinante para a Sarofsky porque estabeleceu uma relação com a Marvel que mantemos até hoje.
S.M.: Foi artista no genéricos dos filmes "Capitão América: O Soldado do Inverno" [durante os créditos finais], "Guardiões da Galáxia", "Homem-Formiga" e "Capitão América: Guerra Civil", mas ganhou responsabilidades acrescidas em "Doutor Estranho" e "Guardiões da Galáxia, Vol. 2". Como se fez o caminho até aí?
D.E.: As responsabilidades de cada artista variam de projeto para projeto consoante o nível de experiência, a posição/título na empresa e o envolvimento na fase de conceptualização e "pitch". Quando trabalhámos nos primeiros filmes que referiu, apesar de ter alguma experiência em Portugal, ainda era novo na Sarofsky. Em 2016, fui promovido a "senior designer", que é uma posição de maior liderança em que comunico mais com os nossos clientes e ajudo os meus colegas a entender as necessidades de cada projeto. No caso dos dois últimos filmes que referiu, o realizador e a equipa executiva da Marvel gostaram e escolheram "styleframes" da proposta que tinha produzido. Também por isso, fez sentido eu acompanhar os projectos até ao fim.
VEJA, NUM MINUTO, O MELHOR DOS TRABALHOS DE DUARTE ELVAS:
S.M.: "Vingadores: Guerra do Infinito" acaba de estrear e surge com uma expectativa acima do habitual. Qual foi o maior desafio para este trabalho?
D.E.: O maior desafio deste filme foi assentar finalmente numa ideia. O nível de exigência e as expectativas, tanto nossas como da Marvel, eram muito altas para este filme. É um filme muito diferente de qualquer outro feito até agora e, como tal, teria que ter um genérico também muito diferente. Após ver o filme e perceber o que os realizadores queriam transmitir no final, uma das soluções que apresentámos era muito na linha do que o genérico acabou por ficar. Mas o processo de exploração não ficou por ali. Na verdade, em termos de design e conceptualização, nunca investimos tanto como para este filme!
Penso que produzi o trabalho mais impressionante e elaborado que fiz até hoje durante esta fase. Este é um exemplo perfeito de escolher o genérico adequado para o filme — para seguir a última cena. Nenhuma das outras soluções espetaculares, com luzes, partículas e efeitos, era a certa para este filme. Para este, tínhamos que transmitir o vazio, a tristeza e um pouco a serenidade. O maior desafio foi aceitar que a solução mais simples para um filme deste tamanho era, de facto, a mais certa.
S.M.: O filme teve em seu redor uma camada de secretismo ainda superior à habitual neste tipo de produções. Como foi, na prática, lidar com isso?
D.E.: O secretismo é sempre algo com que temos de lidar e com este filme não foi diferente. Todos no estúdio assinamos NDAs [non-disclosure agreements, contratos de confidencialidade] bem como qualquer pessoa que nos visite. Não falar sobre o projecto, nem sequer se estamos ou não a trabalhar nele, faz muito sentido para salvaguardar o primeiro impacto do filme mas não só. É também uma medida de segurança que nos protege a nós. Estes filmes são investimentos de muitos milhões de dólares e no momento em que se divulga que um fornecedor pode ter o filme, ou parte dele, este torna-se de certa forma um alvo.
Para além de contratos que os empregados assinam, há também protocolos de segurança definidos pela Disney a nível da nossa infraestrutura que temos que seguir. Por exemplo: só nos referimos aos projectos pelo seu nome código, mesmo no estúdio entre pessoas que estão a trabalhar no mesmo filme; os computadores que estão a trabalhar no filme estão em modo de alta segurança sem acesso à internet, nem a uma porta USB; não usamos telemóveis ou qualquer câmara em determinadas zonas do estúdio; o acesso ao estúdio e a zonas restritas é feito por FOB, que regista todas as entradas; temos câmaras de segurança instaladas; e a lista continua... É algo a que nos habituámos, sendo já o nosso sétimo filme, mas no início foi difícil.
S.M.: Olhando para a ficha técnica dos genéricos dos filmes da Marvel, a equipa parece assemelhar-se à de uma curta-metragem. O processo de criação é semelhante?
D.E.: Não é uma analogia totalmente descabida. O genérico acaba por ser uma pequena história dentro da história do filme. Numa situação ideal, complementa a narrativa principal mas consegue ter uma vida própria para além do filme. No caso dos genéricos da Marvel, o nosso trabalho é quase totalmente criado e executado no computador, por isso não necessitamos por exemplo de um diretor de fotografia, mas temos produtores, realização, efeitos visuais, design, etc. Estes projetos normalmente requerem equipas grandes para serem completados dentro do prazo. Investimos muito neles, nunca sacrificando a qualidade do nosso trabalho.
S.M.: Nesta altura, podemos também ver o seu trabalho em Portugal na nova curta-metragem de Filipe Melo, "Sleepwalk", que poderemos ver a 28 de abril e 2 de maio no IndieLisboa. Como aconteceu essa colaboração?
D.E.: O Filipe Melo, por ser fã de banda desenhada e dos filmes da Marvel, quando viu um nome português no genérico do "Guardiões da Galáxia, Vol.2" resolveu ir ver quem eu era. Entrou em contacto com a Sarofsky e enviou-nos "Sleepwalk" para vermos e saber se estávamos interessados em ajudá-lo com a tipografia. Adorámos o filme e concordámos imediatamente em colaborar com o Filipe no que ele precisasse. Foi um privilégio trabalhar num projecto tão especial.
Trailer "Vingadores: Guerra do Infinito".
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