A produtora portuguesa Joana Vicente foi hoje anunciada como a nova presidente executiva do Sundance Institute, que organiza anualmente o festival internacional de cinema de Sundance, referência da produção independente, anunciou hoje o Conselho de Curadores.

"Temos o prazer de anunciar que a nova CEO do Instituto será Joana Vicente, uma veterana dos meios independentes, uma produtora de sucesso e acérrima defensora dos artistas", lê-se no comunicado assinado pelos responsáveis máximos do Conselho de Curadores do Instituto Sundance, Pat Mitchell e Ebs Burnough.

"Desde o dia em que começámos o Sundance Institute, temos uma missão muito específica de promover a independência, assumir riscos e novas e diversas vozes na narração de histórias. Ao longo de toda a sua carreira, é evidente que a Joana partilha esta mesma visão intransigente, e sabemos que ela possui uma compreensão profunda da panorama em evolução e pode alcançar uma nova geração de criadores independentes que trabalham com mais fluidez entre disciplinas, comunicam além-fronteiras e interagem diretamente com o público", destaca noutro comunicado Robert Redford, o fundador e presidente do Sundance Institute,

Desde novembro de 2018 que Joana Vicente desempenhava ao lado do canadiano Cameron Bailey as funções de diretora executiva do Festival Internacional de Cinema de Toronto (TIFF, na sigla em inglês), fundado em 1976 e que é uma das paragens do calendário de antestreias de cinema independente na América do Norte e uma das etapas para os Óscares.

O seu mandato terminará a 31 de outubro e começará a trabalhar como presidente executiva do Sundance Institute no início de novembro, dividindo-se entre a sede em Park City (estado do Utah), Los Angeles e Nova Iorque.

A nomeação de Joana Vicente acontece na sequência da demissão da anterior presidente do instituto, Keri Putnam, que renunciou ao cargo no passado mês de março, depois de ter liderado o festival de cinema durante dez anos.

"Desde essa altura, o Comité do Conselho de Administração e a equipa de peritos da empresa [de recursos humanos] Spencer Stuart empreenderam uma pesquisa abrangente para encontrar (...) alguém capaz de manter o nosso compromisso" com o cinema independente e os seus criadores e, em simultâneo, de se "adaptar ao mundo em mudança", explicam os curadores.

"Ficámos inspirados e entusiasmados com a força, capacidade, saber e paixão" de Joana Vicente, lê-se na mensagem do Conselho de Curadores.

Joana Vicente - asseguram - "é uma prolífica produtora independente com laços profundos a Sundance". O seu percurso "na direção de um festival de cinema, o seu sucesso na angariação de fundos e no estabelecimento de parcerias, e a sua comprovada capacidade de lidar com as mudanças tecnológicas - juntamente com as formas de consumo do público - torna-nos extremamente confiantes de que continuará o trabalho de Sundance em nome dos artistas independentes dos Estados Unidos e de todo o mundo".

O Conselho de Curadores recorda o trabalho recente de Joana Vicente como diretora executiva do TIFF e, nos dez anos anteriores, como diretora do Independent Filmmaker Project, a mais antiga e maior organização de cineastas independentes dos Estados Unidos.

Vicente "conhece em primeira mão o verdadeiro compromisso que Sundance tem com os criadores independentes", afirmam, recordando que, enquanto produtora, teve "projetos de laboratório apoiados pelo Sundance Institute e 13 filmes estreados no Festival", muitos deles premiados.

"Como nossa CEO, Joana será uma forte defensora das vozes independentes e fará avançar o compromisso histórico do Instituto com a inclusão e a igualdade" e com o "apoio a artistas visionários" no cinema, no teatro e nos meios de comunicação emergentes.

Com 58 anos, Joana Vicente foi nomeada pela Variety uma das 60 pessoas mais influentes em Nova Iorque e já recebeu o prémio Made in New York, que distingue contribuições significativas para o crescimento das indústrias de media e entretenimento da cidade.

Uma reconhecida produtora do cinema independente norte-americano

Nascida em Macau, estudou Filosofia em Lisboa, foi assistente de Maria de Lurdes Pintasilgo no Parlamento Europeu e trabalhou nas Nações Unidas até se decidir pela produção de cinema nos EUA, em parceria com o marido, o produtor Jason Kliot.

Ainda antes de atravessar o Atlântico, foi assistente de produção de António-Pedro Vasconcelos e Paulo Branco, e teve uma breve participação como atriz no filme "A Cidade Branca", de Alain Tanner.

Em Nova Iorque, onde vive há cerca de 30 anos, fundou com Jason Kliot a Open City Films e a HDnet Films, empresas com as quais assinaram cerca de quarenta produções cinematográficas independentes para realizadores como Brian de Palma, Alex Gibney, Steven Soderbergh, Hal Hartley, Todd Solondz e Jim Jarmuch.

Em agosto de 2018, foi nomeada diretora executiva do TIFF, cargo que assumiu em 01 de novembro desse ano.

Hoje mesmo, o festival de Toronto felicitou Joana Vicente, elogiando o seu trabalho e garantindo que não de trata de uma despedida, mas de um "até já, mais à frente na estrada".

Em 2018, quando assumiu funções, desenhou uma estratégia a longo prazo mais inclusiva e representativa da diversidade do setor, incluindo "criadores, artistas e ‘media’ sub-representados", tendo em conta o panorama de mudança com a coexistência de exibição e produção de cinema para sala e para consumo doméstico.

Em entrevista à Lusa, em janeiro de 2019, afirmou: " O que eu acho interessante que se está a passar é que as diferenças entre o que é produto de televisão e cinema começam a desaparecer um bocadinho. [...] Há uma maneira mais fluida de fazer bons conteúdos, seja para sala de cinema ou para plataforma digital. Mas ao mesmo tempo é um desafio, [perceber] como continuamos a ser relevantes e a dar razões para as pessoas irem à Lightbox e terem essa experiência mais imersiva".

Para a produtora e programadora portuguesa, o desafio da indústria do cinema é afinar o formato ideal, o tempo ideal para contar uma boa história aos espectadores.

Em 2008, quando passou pelo DocLisboa como júri, Joana Vicente contava à Lusa que a produção que faz "é bastante criativa", porque o envolvimento num projeto começa quase sempre no desenvolvimento do guião, a partir de uma ideia ou de um livro.

"Eu gosto imenso de produção, mas a parte que me faltava era essa parte criativa. Sobretudo quando trabalho com realizadores que não têm muita experiência dá-me imenso prazer tentar dar-lhe todos os instrumentos possíveis para que consigam realizar da melhor maneira a visão deles", disse Joana Vicente.

O Festival Internacional de Cinema de Sundance, o mais importante dedicado à produção independente, remonta a 1978. Na década de 1980, passou a ser gerido pelo Sundance Institute, fundado por Robert Redford, com o objetivo de ajudar novos cineastas independentes.

O festival acontece todos os anos, no mês de janeiro, em Park City, Utah.

Os realizadores André Santos e Marco Leão, com a curta-metragem "Pedro", e Gonçalo Almeida, com "Thursday Night", foram selecionados para edições anteriores do Festival de Sundance, que este ano contou com a coprodução portuguesa "Espíritos e Rochas: Um Mito Açoriano, da suíço-turca Aylin Gökmen, entre os filmes selecionados para competição.