O Festival de Cannes estendeu a sua passadeira vermelha esta sexta-feira (25) a Mohammad Rasoulof, que fugiu recentemente do Irão depois de ter sido condenado à prisão.

Algo que parecia improvável até à semana passada, o cineasta iraniano apresentou pessoalmente o seu filme "The Seed of the Sacred Fig" ["A Semente do Figo Sagrado", em tradução literal], muito aguardado pela crítica e que compete à Palma de Ouro, sendo recibo com uma ovação de pé.

A presença em Cannes do cineasta, perseguido pelo regime iraniano, que o privara do passaporte, é um símbolo da liberdade de expressão.

Apenas parte da equipa da rodagem conseguiu deixar o Irão. Na passadeira vermelha, Rasoulof esteve acompanhado da filha, a atriz Baran Rasoulof, que o representou a nível internacional quando estava impedido de deixar o seu país, e mostrou as fotografias de dois atores do seu novo filme, Soheila Golestani, que chegou a estar presa em 2022, e Missagh Zareh.

Teve o apoio de Golshifteh Farahani, atriz iraniana exilada em França desde 2008 e que participou em várias produções francesas e americanas.

Golshifteh Farahani e Mohammad Rasoulof

O realizador fugiu do Irão após ter sido condenado a cinco anos de prisão e a receber chibatadas pelo seu filme anterior que, como toda a sua obra, é uma visão do país dos aiatolás que entra em choque com o regime.

Na semana passada, ele anunciou que deixara clandestinamente o Irão a pé, uma viagem que qualificou como "cansativa" e "perigosa".

"Todos os iranianos que tiveram de partir devido a este regime totalitário têm sempre uma mala perto de si na esperança de que as coisas melhorem e possam regressar", disse ele na noite de quinta-feira, em entrevista ao programa C Ce soir, em Cannes.

Noutra entrevista, disse que teve de tomar a decisão em duas horas depois de tomar conhecimento do veredito da justiça iraniana, deixando para trás todos os dispositivos com localização.

O cineasta de 51 anos regressa à Croisette pela primeira vez desde 2017, quando venceu a mostra Un Certain Regard por "Lerd", um filme sobre corrupção.

Em 2020, não foi autorizado a deixar o Irão para receber o Urso de Ouro em Berlim por “O Mal Não Existe”, sobre a pena de morte.

A sua nova produção conta a história de um juiz iraniano que se torna paranoico e passa a desconfiar da sua própria esposa e filhas durante os protestos em Teerão, de acordo com um comunicado distribuído pelo festival de cinema, que não divulgara nada quando anunciou a sua seleção para a competição em abril.

"The Seed of the Sacred Fig"

A rodagem de "The Seed of the Sacred Fig" decorreu em segredo e sem licenças, preservando na medida do possível a identidade dos atores.

Alguns conseguiram sair do país após a conclusão do filme e outros estão sob pressão dos serviços secretos.

Rasoulof já fora preso entre julho de 2022 e fevereiro de 2023, e só foi libertado da prisão graças a uma amnistia geral concedida a milhares de pessoas após as grandes manifestações pró-democracia que sacudiram o país.

Foi na prisão de Evin que ouviu falar de uma rota secreta através das montanhas para a liberdade e contactou os seus antigos companheiros.

“Em retrospetiva, penso que tive muita sorte e privilégio de ir para a prisão porque foi lá que conheci pessoas, pessoas muito úteis, que me ajudaram a atravessar a fronteira. Não teria sido capaz de fazer isto de outra forma”, disse esta semana ao The Hollywood Reporter.

Ele já apresentou três filmes em Cannes: "Be omid-e didar" em 2011 ("Adeus" em tradução literal), "Dast-neveshtehaa nemisoosand" em 2013 ("Manuscritos não Queimam" em tradução literal) e "Lerd" em 2017.

A Palma de Ouro será anunciada no sábado.