Atingido por um golpe militar em 2012, o Mali vive tempos de grande instabilidade e insegurança, quer a nível social, quer a nível cultural. Musicalmente, o Mali é um dos países mais ativos do planeta. Se à dupla Amadou e Mariam juntarmos nomes como Toumani Diabaté, Tinariwen ou Rokia Traoré, percebe-se a dimensão da coisa.

Bastaram dois temas para que, de um cenário com cadeiras alinhadas e um fosso imenso a separar artistas e público, se passasse para um ambiente de salão de festas, mais apropriado a celebrar a música deste casal cego maliano que, após se ter conhecido em 1980, não mais largou a mão um do outro.

Acompanhados por um baterista, um percussionista e um teclista, Amadou e Mariam ofereceram um set mais orientado para passar um dia domingueiro em Bamako, apesar de na bagagem trazerem “Folila”, o novo disco lançado o ano passado.

Foi contagiante a alegria que estes músicos espalharam em palco: o baterista com o seu abanar de cabeça e esgares de concentração máxima; o percussionista com incríveis solos de djambé e a comunicação que estabeleceu com o público; o teclista, qual endiabrada marioneta dançante; Amadou, alternando entre o canto e os solos de guitarra, com um sorriso nos lábios a ameaçar a eternidade; e Mariam, a rainha negra do deserto, de salto alto e garfos a servirem de brincos, a marcar o ritmo com os seus gritos de incentivo e um discreto, mas incendiário, gingar de anca.

Mesmo com uma qualidade sonora com alguns furos abaixo do que seria desejado, o rock do deserto com um travo a dança e cheiro a reggae aqueceu o ambiente, que se foi acendendo muito devagar até terminar com um imenso encore, que incluiu «Beau Dimanches», «Sabali» e «Je Pense a Toi», onde Mariam, com o braço por cima de Amadou, o beijou num daqueles momentos algodão doce a convidar ao aparecimento da lágrima furtiva.

Quem estiver numa de repetir - ou provar – a festa made in Mali, todos os caminhos vão dar a Sines no mês de julho. Além de Amadou e Mariam, também passam por lá, por exemplo Bassekou Kouyaté & Ngoni Ba e Rokia Traoré. Para aqueles que não conseguem esquecer a tróika e estiverem numa de agitar as águas mesmo à séria, uma coisa é certa – e ontem ficou mais que provado: ninguém faz a revolução sentado.

Texto: Pedro Miguel Silva

Fotografia: Concha