Ainda não editaram o primeiro álbum - que se encontra em preparação - mas não foi por isso que os anbb deixaram de ter casa cheia na sua primeira - e dificilmente última - passagem por palcos portugueses.
O que não é assim tão surpreendente, já que Blixa Bargeld, tantos graças aos Einstürzende Neubauten, que criou em inícios da década de 80, como a Nick Cave, com quem colaborou nos Bad Seeds, é há muito figura de culto por cá. E Carsten Nicolai, mais conhecido como Alva Noto, também tem não pode queixar-se da falta de seguidores da sua electrónica precisa e intrigante, ainda que conte com um percurso mais curto.
Durante cerca de hora e meia, a dupla trouxe a Lisboa um espectáculo minimalista a nível cénico - com um palco quase vazio, tirando o laptop de Alva Noto e um fundo onde foram projectadas figuras geométricas - mas musicalmente intenso e contrastante.
Entre originais e versões (como "One", de Harry Nilson", ou "I Wish I Was a Mole in the Ground", de Bascom Lamar Lunsford), os anbb levaram a palco o EP de estreia, "ret marut handshake", editado em Junho, e outras composições vincadas por uma electrónica ora ambiental ora glitch, não esquecendo a vertente industrial tão cara a Blixa Bargeld.
O vocalista do projecto foi, aliás, um eficaz entertainer, contrapondo à carga soturna das canções um sentido de humor presente logo desde o início do concerto, quando apresentou a harmónica (o único instrumento que tocou) como um objecto heavy metal, aludindo a alguns contratempos que lhe causou no aeroporto. E foi também através da harmónica que se percebeu qual seria a tónica da noite, uma vez que Noto a utilizou para elaborados e viciantes loops, num modelo repetido na actuação - onde a voz de Bargeld, tanto nos sussurros como nos gritos, foi fatiada e trabalhada como um instrumento.
Expressando-se em inglês e alemão nestas novas canções, tal como nas dos Einstürzende Neubauten, o ex-guitarrista de Nick Cave manteve a carga teatral pela qual se notabilizou, embora tenha tido melhor acompanhamento electrónico nos momentos mais dinâmicos do que nos melancólicos. "ret marut handshake", tema-título do EP, mostrou-se um dos mais conseguidos e cortantes, mas acabaria por ser superado por "electricity is fiction", soberbo confronto de ritmos e texturas vertiginosas que os Nine Inch Nails gostariam de ter feito nos últimos discos.
Para o final, já no primeiro de dois encores, guardou-se o episódio mais extremo. Bargeld bem avisou, prometendo dez minutos onde o seu grito agudo seria prolongado por Noto e alvo de inúmeras sobreposições. "Ele não está a brincar", realçou a outra metade dos anbb. E não estava. Mesmo que o grito em camadas não tenha durado tanto, foi suficientemente desafiante e ensurdecedor, rematando em alta um testemunho musical que, tanto nos melhores como nos piores momentos, nunca abdicou de um raro sentido de liberdade.
Texto @Gonçalo Sá
Fotos @José Frade/Teatro Maria Matos
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