Não foram precisas engenhocas especializadas nem grandes truques matemáticos para calcular a quantidade de pessoas que passaram no passado fim-de-semana pelo Teatro do Bairro, local onde o Palco Principal focou a reportagem do Festival de Inverno, que viu a sua primeira edição ser assombrada pela fraca afluência de público. Vários fatores poderão vir a ser apontados como as principais causas por detrás desta consequência. No entanto, segundo a opinião daqueles que marcaram presença no certame, em conjunto com a opinião daqueles que, pelas razões mais óbvias, não puderam comparecer, o preço elevado dos bilhetes terá sido o principal handicap ao sucesso. Mas não só. A distância, em quilómetros, que separa as duas colinas onde se situam o Teatro do Bairro e o Santiago Alquimista também terá contribuído para tal resultado.

No Teatro do Bairro, na sexta-feira, as atuações começaram com cerca de uma hora de atraso. Dino D’Santiago, músico que alcançou o sucesso no programa de televisão "Operação Triunfo" e que justificou a sua popularidade ao integrar projetos como Nu Soul Family e Expensive Soul, inaugurou a noite. Acompanhado no baixo, guitarra e percussão por um trio de músicos que elevou a palavra competência ao expoente máximo, Dino deu voz a temas como “Ka Bu Txora”, “Monti Graciosa”, “Nôs Tradison” e “Pensa na Oji”, retirados do recentemente editado “Eva”, embebidos em mornas, batuques e coladeiras, e acompanhados por histórias contadas na primeira pessoa, resultados de uma viagem que o músico fez à Ilha de Santiago, Cabo Verde, em busca das suas raízes e tradição.

Quando falamos de NBC, falamos de hip hop português, e vice-versa. Em 2003, no tema “Pela Arte”, retirado de “Afro-Disíaco”, primeiro disco da sua carreira a solo, o músico alertava para o facto de já se ter concluído uma década desde as suas primeiras passadas no hip hop e vestia-se a rigor para outros dez anos de missão. Em 2014, volvidos 20 anos depois da sua estreia com "Filhos de Um Deus Menor", o rapper de Torres Vedras trouxe ao Teatro do Bairro, perante uma plateia que esteve longe da centena de pessoas, um concerto que, para além de homenagear a própria música, numa ode onde foi possível ouvir excertos de temas como “Não Percebes”, de Sam The Kid, e “Top Rankin”, de Bob Marley, homenageou, acima de tudo, a sua longa caminhada.

Num formato simples, com X-acto nos pratos e dois microfones em palco (um deles para amplificar voz limpa e outro para processar efeito), NBC viajou pelos vários episódios da sua discografia. De “Maturidade” resgatou canções como “Imagina”, “NBCioso” e “Partida”; do recentemente editado “Epidemia” cantou temas como “Cobre”, “Acreditei”, “É de Mim Que Eu Falo” e “Neve” (que serve de hino à atual estação do ano e ao nome do próprio festival); e numa viagem ao passado, ao disco “A Longa Caminhada”, reavivou memórias dos Filhos de Um Deus Menor, ao som de “Perguntas sem Respostas”.

Os convidados especiais foram outras das armas da atuação de NBC. Primeiro, numa parceria vocal de luxo, Dino D’Santiago cantou o refrão de “Imagina” (já anteriormente, no concerto de Dino, NBC tinha sido convidado a interpretar “Redemption Song”, de Bob Marley). Depois, um coro soul (três mulheres e um homem) enriqueceu e deu outra alma a “Homem”, tema de “Maturidade” que o artista admite ser dos seus preferidos. Por fim, foi a vez de Sir Scratch ser chamado ao palco para interpretar “Jura”, faixa bónus de “Em Nosso Nome”, e “Nada a Peder”, clássico de “Cinema: Entre o Coração e o Realismo”, que colocou o espaço em êxtase profundo.

A noite acabou com a performance de Mad Called Honey, um projeto interessante e - de alguma forma - inovador, que mistura rock com a harmonia do acordeão, mas que não foi suficiente para captar a atenção daqueles que, a pouco e pouco, foram abandonando a sala, e os outros que, de forma despreocupada, ficaram retidos em conversas no bar.

Se há campo onde o festival não falhou foi na escolha das bandas. De uma forma ou de outra, as propostas musicais deste fim-de-semana foram variadas, desde a música de inspiração africana, passando pelo hip hop e soul, desaguando no rock, eletrónica, punk e blues - houve para todos os gostos. Assim sendo, a segunda noite de concertos no Teatro do Bairro teve, em relação à primeira, a guitarra elétrica como fator - e instrumento - predominante.

Denis Filipe foi o segundo artista da última noite a pisar o palco do Teatro do Bairro. Depois de uma atuação calma e apaixonante por parte da norte-americana Erica Buettner, focado no seu álbum de estreia, “True Love and Water”, o vencedor do programa "The Voice Portugal" apresentou-se em formato trio (bateria, contrabaixo e guitarra/voz), colocou os volumes do amplificador no máximo e serviu aos presentes doses de blues-rock e garage inspirado em nomes como White Stripes e Black Keys, e ícones do universo blues como Clapton e Vaughan.

Ter sido o vencedor da versão portuguesa do famoso programa televisivo podia ter servido de chamariz para o concerto, no entanto, quando o trio subiu ao palco, contavam-se pelos dedos das mãos as pessoas presentes na plateia. Mas nada que tivesse impedido Denis de dar o litro na sua prestação. Com toda a pompa e circunstância e com o vigor necessário para se comunicar na linguagem rock, o jovem músico serviu músicas do seu álbum, “Twist & Bend” (“Say My Name”, “Go Baby Go”, “It’s Killing Me”, “I Want It So Bad” e “Twist and Bend” foram alguns dos temas ouvidos, e ainda houve tempo para uma versão de “Tainted Love”, dos Soft Cell), e injetou eletricidade nos presentes, que não se privaram de aplaudir a sua atuação.

O Martim foi o artista escolhido para fechar a última noite e, consequentemente, o festival. Acompanhado por David Pires (bateria), David Santos (baixo), Ricardo Amaral (guitarra) e Ana Cláudia (xilofone, percussão e backing vocals), o músico, que muitos conhecerão por fazer parceria com o humorista Nilton no programa "5 para a Meia Noite", fez a festa com os presentes (entretanto foram chegando mais pessoas ao espaço) e arrecadou o galardão do concerto mais empático do evento, recheado de boa disposição, onde não faltou o lançamento de CDs para a plateia em estilo frisbee, e tentativas de stage diving.

“Aproximem-se do palco”, foi o primeiro pedido de Martim Torres às cerca de 50 pessoas que esperavam ansiosamente pelo início do concerto - um pedido que foi repetindo ao longo da atuação, de forma a manter o público por perto e quebrar a barreira invisível que muitas vezes se ergue entre músico e audiência. E diga-se que a missão teve êxito. No tema “Tu Não És o B Fachada” eram poucos aqueles que não dançavam ao ritmo da canção, e ainda menos aqueles que não entoavam a letra, principalmente no refrão.

Pouco depois, foi a vez dos temas “Honda Blues”, “Toda a Gente”, “O Campeão” e “Cais do Sodré” incendiarem o Teatro do Bairro. “A temperatura está agradável?”, perguntou o músico antes de se atirar “Faz o Que Tens a Fazer” e, assim, avançar para a reta final concerto, da qual fizeram parte “De 5 Em 7 Dias”, “Domingo de Manhã” e uma muito requisitada “Banho Maria”, que teve direito a interlúdio psicadélico ao bom estilo de Kraftwerk, encerrando, em grande e em jeito de celebração, a primeira edição do Festival Inverno.

Manuel Rodrigues