Ao passar os portões da entrada principal, perto das 17h30, já o recinto estava cheio. A grande maioria das pessoas fazia fila junto aos stands, para recolher brindes, desde perucas vermelhas a sacos de pano. Outras corriam o recinto numa espécie de volta de reconhecimento, antes de iniciarem os espetáculos.

Já a esta hora, o tráfego era intenso e circular já se tornava num desafio. Na Rock Street era hora de ponta e era muito o trânsito em frente ao palco EDP Rock Street, onde, por esta altura, os Stone the Beatles, uma das presenças assíduas em todos os dias do festival, animavam os transeuntes e também a audiência sentada, exibindo em palco as suas versões mais jazz e blues de temas célebres destes gigantes do rock.

Escutámos “Paperback Writer” e “Ticket to ride” antes de subirmos a rua e trilharmos os caminhos do funk até ao palco Vodafone, onde a festa rija já havia começado, com os Cais Sodré Funk Connection, que, no festival pela segunda vez, motivavam as pessoas a libertarem os seus movimentos e expressões com “Express Yourself”. Já “Summer Days of Fun” completou o quadro do ambiente, com o sol brilhar e centenas de pés a dançarem na relva sintética. “Do what you want” e “Just having a party” ou “I’ve got the feeling” foram a banda sonora de uma festa na qual não faltavam coreografias a condizer no meio do público, de braços no ar.

“Do the math” é, por sua vez, o tema que mostra já um pouco do segundo álbum que a banda de nove elementos irá lançar ainda este ano e mantém a já habitual energia, que contagiou o público da Bela Vista, imparável nas danças. “Mãe Negra”, versão de Paulo de Carvalho, foi uma pérola no meio do reportório da banda, incorporada quase como própria, numa canção de ritmo forte e prestação vocal envolvente. “Come on baby” e "You are somebody”, esta última que dá o nome ao primeiro álbum, foram recebidas e cantadas calorosamente, numa altura em que a celebração, pelo menos com os Cais Sodré, se aproximava do final.

O concerto conjunto de Boss Ac e Aurea iniciou-se ao som de "The Main Things About Me", com a cantora a subir ao palco em primeiro lugar e a convidar, pouco depois, o rapper para cantar uns versos de "Acabou (Até Esquecer)". Seguiu-se "Hip Hop (Sou Eu e És Tu)" e "Lena" (com Aurea a rappar o primeiro verso da música). Pouco depois, uma mistura entre e "Okay Alright" e "Boa Vibe" abriu caminho para "Princesa (Beija-me Outra Vez)", tema que despoletou as primeiras reações amorosas massivas do festival: foram vários os casais que se inspiraram na vibração romântica do momento para trocarem dedicatórias.

Já perto do final da canção, houve uma "princesa" que ficou presa a meio do percurso de slide que atravessa o recinto de uma ponta à outra - um feito que lhe deu a oportunidade assistir aos primeiros segundos de "Busy (For Me)" de uma posição privilegiada. Pouco depois, foi a vez de "Tu És Mais Forte" ser acompanhada em coro pelo público, logo seguida de "Scratch My Back", single do álbum "Soul Notes".

Até ao final do concerto ainda houve tempo de ouvir "Sexta-Feira", tema responsável por colocar milhares de pessoas a cantar e a dançar, e uma versão de "Happy", de Pharrell Williams, hino que fechou a atuação da dupla portuguesa com chave de ouro.

Depois de ter estado no Vodafone Mexefest ainda no final do ano passado, o brasileiro Silva regressou agora, para o Rock in Rio. Em palco, consigo, tinha mais seis músicos, três deles do conjunto de sopros dos Cais Sodre Funk Connection.

O ambiente é agora mais tranquilo, com os toques de eletrónica das doces melodias de Silva a fazerem mexer os pés dos presentes. O músico, dividido entre o teclado e a guitarra, tem poucas palavras a dizer, apenas alguns obrigados, que vêm acompanhados de sorrisos. Ouvimos temas de “Claridão” e “Com vista p’ro mar”, os dois álbuns do brasileiro, este último lançado este ano e gravado em Portugal, que brindaram o final de tarde daqueles que, ainda de forma um pouco desligada, se distraíam com o pôr do sol e com o enquadramento cénico de toda a atuação. O momento alto do último concerto do dia no Palco Vodafone foi quando Silva pegou no violino, soltando as primeiras notas de “A visita”, que fizeram levantar do chão um grupo, que a reconheceu como “a música da novela”.

Na primeira oportunidade que teve para se dirigir ao público, depois de ter interpretado "Mouth to Mouth" e "Take Me", a artista soul britânica Paloma Faith teve a preocupação de o fazer em português, informando que estava adoentada, pedindo desculpas por não dominar a nossa língua na totalidade e elogiando, já em inglês, a nossa gastronomia, especialmente o afamado pastel de nata. Infelizmente, e apesar de todo o esforço e simpatia da artista, o concerto não chegou para aquecer os milhares de pessoas que por esta altura se concentravam no Palco Mundo.

O soul e o groove de canções como "Rely On You", escrita pelo mago Pharrell Williams, "Crazy Love" e "Trouble With My Baby" não conseguiram quebrar a barreira entre o público e a artista. A impaciência por ver o homem dos Take That ao vivo era tanta que foram poucos aqueles que não extravasaram - direta ou indiretamente - tal sentimento, fosse nos tímidos aplausos que se soltaram no final de cada tema interpretado, ou no próprio adeus à artista, que foi feito sem grande saudade.

Sem falhar a pontualidade britânica, perto das 22h00, Robbie Williams subiu ao palco, de fato e luvas brancas, demonstrando que, pelo menos em atitude, já largos anos se passaram desde as calças de cabedal e pinturas «à Kiss» que recordamos do vídeo de “Let me Entertain you”, êxito que abriu o espetáculo de Williams, na ponta de língua de todos os presentes. E falamos de êxitos já que o espetáculo “Swings Both Ways” tão depressa visita temas da carreira do ex-Take That, que se tornou estrela pop a solo incontornável, como outros êxitos memoráveis, como “New York”, de Frank Sinatra, que foi antecedido por uma intro de “Empire State of Mind”, de Jay-Z e Alicia Keys.

Ainda nas versões, o Mr. Entertainer por excelência passou por um repertório tão variado quanto a quantidade de expressões que mostra em palco, fazendo rir muitos dos presentes com a sua atitude humorística, já que se considerou abertamente um “old fat man”, com um vício por chocolate. Desde “We will rock you”, dos Queen, “Still haven’t found what I’m looking for”, dos U2, “Hit the Road Jack”, de Ray Charles, “Walk on the Wild Side”, de Lou Reed, “Wonderwall”, dos Oasis ou ainda a “Song 2”, dos Blur, de Robbie Williams ouvimos apenas “Rock DJ”, “Come Undone” e “Kids”.

Há 12 anos sem atuar num festival, Williams mostrou-se visivelmente contente, fitando sempre o seu público, puxando por assuntos como o mundial de futebol e correndo o palco de um lado ao outro e pelo meio do público também, acompanhado pelas duas vozes que o auxiliaram durante vários momentos da atuação. Para o final ficaram “Feel” e “Angels”, que Williams pediu ao público que cantasse mais alto, prometendo ficar chateado caso a música dos Oasis se mostrasse mais popular do que uma das suas.

E o público correspondeu, saltou e riu, exibindo luzes coloridas e cartazes com mensagens, perante um verdadeiro espetáculo de entretenimento de um senhor que foi muito acarinhado pelos portugueses da Bela Vista e que, claramente, mostrou que domina o palco e os movimentos de dança, ficando apenas a sensação de um concerto muito centrado em tributos e medleys, que, ainda assim, acabou por resultar no contexto do festival.

Não foram precisas muitas canções para Ivete Sangalo colocar o público do Rock in Rio aos saltos. Na verdade bastou apenas uma, "Tempo de Alegria". Ainda a artista não tinha tido tempo de chegar ao refrão e já a plateia dançava ao ritmo da música. "Vamos fazer desse Rock in Rio um verdadeiro carnaval", propôs Ivete antes de se atirar a "Base do Beijo" e a uma sequência composta por "Real Fantasia", "Dalila" e "Arerê". E diga-se que Ivete Sangalo atingiu o seu objetivo. Em poucos segundos, o Parque da Bela Vista transformou-se num enorme sambódromo, e o palco num poderoso trio elétrico.

"Não existe lugar frio onde Ivete está", garantiu a cantora aos milhares que por esta altura combatiam o vento e as temperaturas baixas que assolaram o recinto (fica aqui o aviso para aqueles que fazem intenções de ir aos próximos dias do festival: tragam agasalho), interpretando, de seguida, "Dançando", "Chupa Toda", com Ivete a solar na percussão, e "Beleza Rara", um dos seus mais acarinhados clássicos. Depois do samba, tempo para um mergulho nas vibrações do reggae, com "Amor Que Não Sai", "Flor Do Reggae" e uma versão algo estranha de "Could You Be Loved", do lendário Bob Marley.

O concerto de Ivete Sangalo, que este ano comemora duas décadas de carreira, atravessou diversos estilos e estados de espírito. Começou no samba, passou pelo reggae e acabou no romântico (houve tempo para ouvir a belíssima e apaixonante melodia de saxofone de "Careless Whisper", de George Michael, e os coros a uma só voz de "Se Eu Não Te Amasse Tanto Assim" e "Quando a Chuva Passar") - uma transição que não é fácil e que só alguém com o talento e sabedoria de palco de Ivete Sangalo consegue gerir.

"Acabou a mulher romântica, agora é a mulher maluca que só quer festa", exclamou antes de se lançar numa reta final estonteante, composta por "Festa", "Sorte Grande" e o medley "Pererê", "Canibal", "Levada Louca" e, novamente, "Arerê", consumindo as últimas reservas de energia aos presentes e encerrando, em festa, o primeiro dia do Rock in Rio Lisboa.

Texto: Manuel Rodrigues e Rita Bernardo

Fotografias: Marta Ribeiro