O primeiro lançamento a solo desde “Geminga”, de 2020, resulta de “um longo processo” profundamente marcado pela pandemia de COVID-19 e o primeiro confinamento, explica o saxofonista em entrevista à agência Lusa, e que atuará em Portugal em maio, em salas do Porto, Lisboa, Barcelos e Barreiro.
“De repente, tinha muito tempo, em vez de muitas datas de ‘tour’. Tinha muitas ideias em que ainda não tinha tido tempo para trabalhar. A pandemia ‘começou’, e recebi algumas bolsas de pesquisa. Tinha tempo e estava relaxado, sem estar a acumular concertos e trabalho e tudo o mais”, conta.
As 12 faixas do disco juntam-se para se posicionarem como o trabalho de estúdio “com composições mais claras”, afirma o saxofonista, e estão mais ligadas “a um tocar mais físico, a estar lá no momento”, não tanto pela improvisação mas pela clareza das notas e ciclos rítmicos.
O disco, lançado pela Lovers & Lollypops e a alemã Ana Ott, conta com influências de ‘drone’ e da música ‘raaga’, da Índia, esta última mais marcada em “Giovanni’s Friend”, que lançou em 2023, mas também de colaborações com João Pais Filipe e do trabalho desenvolvido sobre os sons mecânicos das chaves do saxofone.
Era em 2020 que devia ter feito uma residência artística na Índia, para estudar o ‘raaga’, um conjunto de notas musicais da clássica indiana.
Julius Gabriel descobriu várias técnicas na onda da música ‘drone’, e construiu um instrumento com uma boquilha dupla, para a prática de respiração circular, a que chamou ‘twin saxophone’.
Esta técnica de respiração, de resto, permitiu-lhe pensar, durante o período pandémico, também na forma como esses tempos lhe regularam a música e o pensamento. “Toco saxofone desde os 10 anos, é uma parte mesmo importante de mim e para o meu equilíbrio emocional”.
Essa ligação, com o trabalho técnico que desenvolveu, permitiu-lhe chegar ao trabalho “com ritmos não-binários” e aproximar-se de uma vontade de “expressar certos aspetos hipnóticos da música, de como poder agarrar as pessoas na conexão entre fisicalidade e hipnose”.
O ‘twin saxophone’ surge em duas faixas do álbum, e noutras duas o saxofone que o acompanha é utilizado como instrumento de percussão, utilizando as teclas para produzir sons deste género em vez de ‘sopradas’, amplificando o barulho dos dedos em cada nota.
“Durante a pandemia, estava preso em Hamburgo, e muito rapidamente os vizinhos começaram a queixar-se de estar a tocar, por isso fiquei ali só a premir nas teclas”, revela.
Foi nessa altura, de resto, que a perceção que tem da música, como do mundo, mudou, ao ver “cidades sem carros e aviões”, moldando a forma como ouvia e se ligava ao instrumento.
“Muitos artistas têm surgido com projetos mais experimentais. Houve tempo para as pessoas pensarem em como [algo] seria percebido, o que era esperado de nós... Com tanto tempo recolhidos, isso pode ser muito saudável, é algo que deveríamos ter tempo para fazer de tempos a tempos”, comenta.
Esse tempo, acrescenta, permitiu-lhe “seguir novas direções sem medo”, levando a este disco que mostra o trabalho com “novos ritmos e ciclos rítmicos mais complicados”, com mais tempo para praticar e menos para tocar em concertos.
“[Mais] o tempo de realmente ouvir música. Descobri tanta coisa nova. Música clássica e folk do mundo inteiro. Foi um tempo de estudo e, claro, subterrâneo. O subterrâneo [do título do álbum] também é no sentido psicológico, não só no sentido da terra, do que está escondido dentro de nós. Isso vem desses tempos, em que estávamos atrás de portas”, afirma.
Para apresentar o disco, embarca no final da semana “na maior 'tour' de sempre” a solo, com dezenas de datas espalhadas pela Europa, sobretudo no sul, com um plano “exaustivo, de tocar à noite e acordar às sete da manhã do dia seguinte para apanhar um autocarro”, e viagens de Sofia a Istambul, passando pela Grécia e Espanha.
Um calendário tão ‘apertado’ pode assustar, mas também deixa Gabriel “feliz pela experiência de levar a música a esses sítios” e recuperar a sensação de estar na estrada.
Passará por Portugal, país em que viveu vários anos e em que trabalha frequentemente, em maio, nomeadamente em Barcelos, no dia 10, Porto, a 15, Lisboa, a 16, e o Barreiro, a 17.
O saxofonista natural de Berlim estudou Jazz em Essen e tem-se desdobrado, no mundo da música, em trabalhos a solo e colaborações, entre as quais a dupla Paisiel, com João Pais Filipe, mas também projetos portugueses como Névoa, Solar Corona, Glockenwise e Talea Jacta.
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