Escrita, encenada e também interpretada pelo recém-nomeado diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II, que assumirá o cargo em novembro, o espetáculo baseia-se no romance do autor clássico Ivan Turgueniev, publicado pela primeira vez em 1862, que lhe dá título, com influências da obra "Surrogacy now: feminism against family” (“Maternidade por substituição agora: Feminismo contra família, numa tradução livre”), publicada em 2019 pela feminista comprometida com a ecologia 'cyborg' e o comunismo 'queer' Sophie Lewis, explicou Pedro Penim à imprensa, no final de um ensaio parcial da peça.

“Pais & Filhos” é, segundo o autor, um espetáculo que, na essência, “não aborda questões novas”, e que no palco cruza a estrutura narrativa daquela “obra-prima” do autor russo, com temas atuais resultantes das leituras que andava a fazer quando o Teatro Praga, que ainda dirige, foi convidado, pelo S. Luiz, a estrear aí uma peça.

“Pais & Filhos”, de Penim, tem como ponto de partida “um facto biográfico e autobiográfico”, à semelhança de outros espetáculos em que assinou o texto ou a encenação, e que não pretende revelar, preferindo que a dúvida “subsista também para quem assista à peça”, indicou.

Acrescentou tratar-se ainda de uma criação que cruza realidade e ficção, mas que, à medida que a dramaturgia avança, apresenta “muitas coisas da vida dos atores”, pois a escrita das personagens foi pensada em função de cada intérprete.

Nove personagens compõem “Pais & Filhos”, numa estrutura familiar que respeita a do romance de Turgueniev - cuja ação se centrava no conflito geracional da sociedade russa de finais do século XIX entre a chamada geração de 60 e geração de 40 -, que é respeitada pelo autor e encenador, que agora a transpõe para a atualidade.

Arkasha, um jovem recém-formado (David S. Costa), o seu pai (Diogo Bento), seu tio (Pedro Penim), a camarada de Arkasha (João Abreu), a mãe da camarada (Rita Blanco), Anna (Joana Barrios), Katya, “surrogate”/mãe de substituição (Ana Tang), Fenitcka, o marido do tio de Arkasha (Hugo van der Ding), e o Valete (Bernardo de Lacerda) são as personagens da peça.

“Autoria é sempre coautoria”, uma frase do professor de Direito e estudos científicos Mário Biagioli, é a primeira fala da peça, no início de um monólogo de Pedro Penim, que funciona como um prólogo e que é citada para, pouco depois, referir ser “de coautoria, de gestação e de parir” que o espetáculo trata.

Questões ligadas à afirmação de género, à filiação, à maternidade por substituição, ao conflito geracional e à organização social estão presentes em todo o espetáculo, cujo ponto “fulcral”, nas palavras de Pedro Penim, ocorre quando Arkansas, um jovem estudante, regressado à casa de família, e a sua camarada pretendem anunciar às respetivas famílias que “já não querem ser familiares”, já não querem “ser filhos dos seus pais”.

A ação desenrola-se num espaço contemporâneo, onde nem falta um móvel antigo que remete para a época do ação do romance de Turgueniev e onde um prato com 150 anos é partido por uma personagem, durante o espetáculo, num simbolismo de quebra com o clássico do autor russo.

Sem “pretender defender quem está certo ou errado”, “tomar partido” ou criticar ideias, Pedro Penim disse que o objetivo do espetáculo é apenas apresentá-las “em discussão”: a “altura certa” para o fazer, ouve-se na fala de uma das personagens.

Por isso, e tal como no romance de Turgueniev, a abolição da família – mais difícil de concretizar do que “acabar com o capitalismo”, outra fala que se ouve nesta versão de “Pais & Filhos” – é uma questão que não fica resolvida em toda a ação.

A discussão manter-se-á, no espetáculo à semelhança do que acontece com o romance de Turgueniev, em que não há uma “moralidade de quem ganha” e que, segundo Pedro Penim, funciona como “uma espécie de vingança” da natureza, em relação ao entusiasmo da discussão.

Por mais que se debatam ideias, ideologias, relações, a organização social e os modelos de sociedade, com o tempo, “tudo isso acaba por se transformar numa espécie de poeira que a natureza vai englobar”, pois “é completamente indiferente a essa discussão”.

Numa peça em que as personagens mais jovens acabam por espelhar a designada “geração z”, e a tentativa que os pais fazem para os acompanhar, a perspetiva do “fim da História” está também presente.

Um processo que, segundo Pedro Penim, além de encerrar paternalismo é “falível”, pois de uma forma ou de outra, por mais que continuemos a correr contra o tempo, este irá sempre ultrapassar-nos.

Em cena na sala Luis Miguel Cintra, até 3 de outubro, “Pais & Filhos” é uma produção conjunta dos teatros Praga, S. Luiz e Nacional S. João, onde será apresentada, no próximo mês de fevereiro.

No teatro de Lisboa, à rua António Maria Cardoso, terá sessões de quarta a sábado, às 20h00, e, aos domingos, às 17h30, a partir da próxima quarta-feira.

O espetáculo tem apoio coreográfico de Luiz Antunes, cenário de Joana Sousa e figurinos de Joana Barrios.

O vídeo é Jorge Jácome, as luzes, de Daniel Worm d’Assumpção e, o som, de Miguel Lucas Mendes.

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