A obra, premiada em 2018 com o Prémio Javier Morote, chegou este mês a Portugal pela Kalandraka, numa tradução de Elisabete Ramos, num mês em que a autora esteve a viver em Campo de Ourique.

Numa entrevista à Lusa, à margem da apresentação do livro, na Livraria Flâneur, no Porto, a basca de 35 anos explicou que a obra olha para meninas “e alguns meninos que são vistos como geniais”.

“É uma história sobre querer gostar muito dos outros, fazer tudo bem, querer ser outras pessoas. É uma história que passa por infância, adolescência e até à juventude, antes da idade adulta, de uma protagonista, a quem ofereci partes da minha vida mas que não sou eu”, descreveu.

Num trabalho que a jornalista faz oscilar entre “lados mais obscuros e muito humor”, o que salta na leitura é “uma nudez dos sentimentos e das formas de existir e pensar”, sendo resultado de um convite e uma residência de um ano numa casa isolada numa província de Granada.

“Não se chega lá de carro, é uma hora a pé. Tive de fazer a instalação elétrica eu mesma e não há água corrente no interior. O editor pediu-me um romance, e eu sabia que não poderia sobreviver assim em Madrid”, contou.

Depois de estar imersa num trabalho “muito jornalístico e de redes sociais”, que foram “muito importantes”, por ser onde aprendeu a escrever, revelou, a ida para o campo “afastou um pouco esse mundo”.

“Encontrava-me ali em frente a um espelho, eu, sozinha, e não tinha outro remédio se não encontrar outras coisas, e escrever de forma mais crua”, afirmou.

“As Meninas-Prodígio” combina “um híbrido entre o literário e jornalístico”, além de misturar partes autobiográficas de Urraca e até uma reportagem, em que acompanhou um parto, aqui plasmados na vivência da protagonista.

Sobre a tradução “muito boa”, de Elisabete Ramos, a autora confessa que o processo incluiu até “muitas imagens por ‘e-mail’ sobre coisas como lâmpadas de cabeceira”, e que a versão portuguesa foi a primeira que leu.

“Em espanhol dá-me algum pudor, mas em português não. Por vezes, parece de outra pessoa, foi divertido. Gosto mais, parece-me mais bonito. Também porque acho o português mais bonito e especial. (...) Acho um romance melhor em português do que em espanhol”, confessou.

A coleção Confluências da Kalandraka traz a Portugal vozes do mundo literário hispânico, numa troca que Sabina Urraca espera que seja mais frequente, pelo “intercâmbio” que possibilita.

Em Lisboa há duas semanas, a primeira autora em que se debruçou, numa “imersão fantástica”, foi a poetisa portuguesa Adília Lopes, e agora quer “mais, dá muita vontade de ler muito em português”.

Para Lisboa, trouxe “o ‘pack’ todo, namorado e a cadela”, que a acompanha nas apresentações, primeiro em Lisboa e depois no Porto, e que passeia pela Estrela e o seu Jardim e usa para atrair “conversas com pessoas mais velhas, que contam a vida toda”.

“Gosto, sobretudo, de fazer vida de bairro em Lisboa, em Campo de Ourique. Tenho gostado de passear e de ir ao supermercado. Sei que há zonas mais turísticas onde já se passa o que vai acontecendo noutras cidades - o turismo massivo -, e não me identifico com isso”, atirou.

Nascida em San Sebastián, em 1984, Sabina Urraca estudou jornalismo em Madrid, onde vive, e escreveu para jornais como o El País, Cinemania e Vice, publicação internacional que já traduziu para português vários dos seus artigos.

Publicou ‘fanzines’ e textos seus foram inseridos na antologia “La Errabunda. Tratado ibérico de deambulologia heterodoxa”, tendo tido vários outros trabalhos, de empregada de mesa a guionista de publicidade e vendedora de seguros.