"Temos de continuar a lutar para que haja dignidade no setor cultural em Portugal. Isto [Festival d'Avignon] é uma bolha e não é a minha realidade. A minha realidade é lá [em Portugal], e é uma realidade em que, se trabalhamos, trabalhamos, se não trabalhamos, não há dinheiro", defendeu a atriz, em entrevista à agência Lusa.

Uma das razões para o "atraso histórico" de 40 minutos com que começou a primeira apresentação da peça "O Cerejal", na segunda-feira, foi um protesto dos artistas franceses por um melhor estatuto como trabalhadores intermitentes, algo que Isabel Abreu considerou "incrível".

"Saio daqui com a certeza de que existe um trabalho muito grande a ser feito, que Portugal e França são realidades e mundos completamente diferentes", explicou.

Quanto a pisar o palco do Pátio de Honra do Palácio dos Papas, onde todos os anos é oficialmente aberto o Festival d'Avignon, Isabel Abreu diz que "são várias sensações", mas sobretudo "prazer e honra".

"É um lugar absolutamente mágico, enorme e parece que nos engole, porque [perante] a beleza, a altura daqueles muros, a quantidade de cadeiras que estão à nossa frente e o céu aberto, temos a sensação de que deveríamos ser gigantes para ocupar este espaço. Esse sentimento do primeiro ensaio transforma-se num sentimento imenso de prazer e de honra", descreveu.

Na peça "O Cerejal", a atriz portuguesa é Charlotte Ivanovna, uma governanta criada por uma alemã, que sabe apenas dos seus pais biológicos que trabalhavam num circo, sendo a personagem mais extravagante em cena.

"É como se dentro destes bocadinhos de ilusão, de truques, isto fosse a sua criação de uma realidade para sobreviver", explicou Isabel Abreu, que compara a sua personagem à profetiza Cassandra, da mitologia grega, "alguém que ninguém ouve, mas que sabe o que vai acontecer no futuro".

Atuando em francês, Isabel Abreu que já gostava da peça "O Cerejal", descobriu-a numa nova língua e ao lado de atores como Isabelle Huppert, uma atriz que admira.

"É uma atriz que sigo bastante e faz parte do imaginário das atrizes que eu admiro, que eu gosto e de quem queria muito estar perto. Está repleta de subtilezas que eu amo profundamente", indicou a atriz.

A nomeação de Tiago Rodrigues como novo diretor do Festival d'Avignon apanhou-a de surpresa, especialmente depois de vários anos de trabalho conjunto, em que ambos desenvolvem uma "cumplicidade artística", mas que a emocionou.

"Surpreendeu-me e emocionou-me muito. Acho que faz parte de um caminho que ele tem vindo a construir [...]. Deve representar um orgulho imenso, o Tiago nunca esquece o teatro português. As coisas mudam e tudo tem um fim, só espero que não se regrida em relação a uma série de coisas que se conquistaram nos últimos anos", concluiu a atriz.

Isabel Abreu vai agora entrar em digressão com a peça "O Cerejal" que, depois de Avinhão, vai passar por Nápoles, estar no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, em dezembro e, a partir de janeiro, e durante dois meses, no Teatro Odeon, em Paris, passando depois por várias cidades francesas.