“Surpreendida pela deturpação do que digo e do meu discurso”, disse a artista "que dá voz à comunidade LGBTQIA+, contra o racismo e a xenofobia", depois da sua atuação no Festival Músicas do Mundo, que decorreu em Sines na semana passada, em declarações à agência Lusa.

Além de assumir que “não esperava esse tipo de retaliação”, a cantora e ativista esclareceu que não responde “por um partido político”, mas apenas e só pela sua “arte” e pela sua “vivência”.

“Só respondo pela minha arte, pelo que falo e pelo que vivo, mas muito me espantou o incómodo das pessoas, me responsabilizando inclusive pela guerra” na Ucrânia, lamentou.

Ao reagir, nas redes sociais, contra as vozes que a criticam por participar na Festa do Avante!, em setembro, a também compositora e multi-instrumentista, quis explicar que é “totalmente contra a guerra” na Ucrânia, mas que também vive num conflito desde que nasceu.

“Quando me posicionei não estava dizendo que não estou nem aí para a guerra, estava dizendo que a Ucrânia está em guerra, que sou totalmente contra a guerra, mas que vivo numa guerra desde que nasci na favela, no Brasil”, frisou.

Para Bia Ferreira, “acordar com um corpo no beco, com bala de 'fuzil' na porta de casa, não é normal para um país que não está em guerra, então estou em guerra desde que nasci” e, por isso, “falo da minha vivência”.

“Se a morte das minhas pessoas no Brasil não incomodam, vou estar aqui para falar por elas. Não posso falar pelo povo ucraniano, enquanto o meu povo está morrendo, embora lute também pela emancipação dessas pessoas, para que a guerra acabe, porque a paz é o que a gente conseguiria pensar, utopicamente, o nosso ideal”, defendeu.

Questionada sobre os palcos onde atua, Bia Ferreira é perentória: “Se um bolsonarista me chamasse para tocar, não sei se iria. Não depende do palco, não. Mas, entendendo que embora o partido [PCP] tenha vários posicionamentos que a gente possa questionar”, houve lutas a que não pode ser indiferente.

“Entendo que o direto ao casamento LGBT aqui aconteceu por conta do PCP [que votou a favor no Parlamento com PS, BE e PEV], que o acesso do trabalhador a vários direitos também veio a partir dessa luta, então não posso anular isso também. Gostaria de deixar registado que não sou comunista, mas acredito na emancipação do proletariado, das pessoas pobres, a partir da cultura, da informação e do afeto, e qualquer aspeto que me possibilite falar com essas pessoas, eu vou ocupar”, defendeu.

Insistindo que luta “pelas pessoas que têm a [mesma] vivência”, a artista das causas reconheceu que não pode “influenciar ou interferir na guerra que há entre a Rússia e a Ucrânia”, mas pode “fazer a diferença” para o seu país e para “as pessoas que se parecem [consigo], que estão morrendo”.

“Se for interessante noticiar o genocídio da população preta no Brasil, podem me chamar que eu vou falar, porque se você pesquisar no Google vai ver que a morte de civis e policiais no Brasil é maior do que civis e policiais na Ucrânia ou na Rússia, mas não geram a mesma comoção”, vincou.

E deixou a mensagem: “Que as pessoas que se comovem com a guerra na Ucrânia, também se comovam com a guerra que há na Palestina, se comovam com a guerra que há nos países do continente Africano, se comovam com as pessoas que fogem de Ruanda, se comovam com esses emigrantes todos que estão procurando um espaço seguro para criar seus filhos”.

“Se a sua comoção for seletiva, for só com pessoas que têm olhos claros e a cor da pele clara, então a sua comoção não é pela guerra, você está-se comovendo por outra coisa que posso não falar, mas eu vou falar: é racismo”, concluiu.