“Tenho-me habituado a pensar que a criação artística sem verdade não tem muita razão de ser” são as palavras de Rui Pina Coelho que dão o mote ao espetáculo, em cena no Carlos Alberto até 10 de abril.

A peça acompanha três jovens operários comunistas alemães, entre 1937 e 1945, que encontram “uma forma de dissidência do regime nazi e de busca de afinidades entre a resistência política e a arte”, lê-se na descrição do espetáculo.

O autor da peça, Rui Pina Coelho, começa por admitir à Lusa que se trata de “um romance inadaptável”, por isso, o que chega ao palco esta quinta-feira, “não é, em rigor, uma adaptação do romance, é um diálogo com o romance”.

“Tem a ver com as nossas inquietações, o que descobrimos no romance já com preocupações que são nossas”, detalha Rui Pina Coelho, em declarações à Lusa.

A obra assume-se, assim, como “uma arca do tesouro, um baú sobre as derrotas e as lutas da esquerda, desde a Revolução de Outubro, com citações à Comuna de Paris, à Revolução Francesa, desde os tempos imemoriais do estabelecimento das democracias na antiguidade clássica”.

“Estética, resistência e melancolia” mostra “o olhar que emprestamos à leitura do romance - que é habitado pelas nossas próprias contradições, medos, anseios, melancolias -, que muitas vezes nos tolda, ou, por outro lado, anima as lutas que vamos fazendo nos dia de hoje”.

Não foi, por isso, difícil, traduzir uma narrativa que arranca em 1937 e se espraia até 1945 para a atualidade: “O romance é tão poderoso e discute de forma tão honesta esse legado da esquerda que é automaticamente presente e automaticamente nosso”.

“De repente, em processo de ensaios, sentimo-nos de novo em 1938, à beira de uma guerra e, de repente, dentro, sendo a guerra presente. Essa rima com o presente que, infelizmente, aconteceu, de forma inadvertida, prova que a história não acabou. O tão badalado fim da história não se confirma, a história está ainda por fazer”, afirma o dramaturgo.

O encenador, Gonçalo Amorim, por seu lado, confessa à Lusa que, em cena, “mantém do romance o grande fôlego que é necessário para montar o espetáculo”.

É, por isso, um “espetáculo que necessita de um tempo para ser tragado, necessita de tempo para a contemplação, e parte de uma ideia de que podemos resistir estando num teatro, perante uma obra de arte”.

“Acho que é o melhor convite que se pode fazer ao público e aos espectadores: que venham, fora do buliço da caída, do buliço das redes sociais, de toda essa atmosfera quase de ‘reality show’, em que todos nós estamos a ser convidados a viver”, considera o encenador.

Numa encenação que “tenta ser depurada e objetiva, tenta não ser exibicionista”, é deixado “um convite à honestidade e à transparência, para que não seja um placebo, um entretenimento, para que não seja só mais uma tentativa de adiar a morte”.

Houve, por isso, um “depuramento” e uma “economia de gestos, uma grande concentração na articulação do texto, porque realmente é muita palavra e palavra difícil de dizer”.

Essa é, refere Gonçalo Amorim, a grande homenagem de Rui Pina Coelho ao estilo ‘Weissiano’: “O Rui recupera esse estilo em várias passagens do texto, ou seja, intricado, difícil, a convocar as pessoas para se aproximarem, a tentar não ser sedutor, mas sim exigente nessa ideia de contemplação”.

“Isso só se consegue criando um ambiente de confiança com quem vem, criando um ambiente de despojamento, de confiança, que é logo dito no texto inicial”, reitera.

“Estética, resistência e melancolia”, uma coprodução do Teatro Experimental do Porto e do Teatro Nacional São João, fica em cena a partir de quinta-feira, até 10 de abril, no Teatro Carlos Alberto, no Porto, com récitas de quarta a sábado, às 19h00, e, aos domingos, às 16h00.

É interpretado por Eduardo Breda, Gonçalo Amorim, Isabel Costa, João Miguel Mota, Joana Magalhães e Pedro Moldão.