O saudosismo e o revivalismo marcam a primeira semifinal do Festival Eurovisão da Canção de 2022, que se realiza esta noite em Turim. Entre 1861 e 1865, foi a primeira capital italiana e, esta semana, recupera a visibilidade que então teve, ao encher-se de luz(es) e de brilho(s). É assim logo desde o início do espetáculo de abertura, feérico e animado, num palco imponente, apesar dos problemas técnicos que tem tido, com uma cascata de água que nunca para de correr.

Feitas as apresentações iniciais, a cargo de Mika, Alessandro Cattelan e Laura Pausini, que enverga vários figurinos rosa choque, Ronela Hajati, representante da Albânia, entra em cena. A canção, "Sekret", é possante e recorda noites antigas e apaixonadas que permanecem até hoje em segredo. É o primeiro momento de saudosismo da noite e também a primeira vez que o palco se enche de chamas e labaredas. O apuramento para a final de sábado é uma forte hipótese.

Seguem-se os Citi Zéni, o animado e irrequieto grupo da Letónia que faz a apologia do vegetarianismo com o enérgico "Eat your salad". O cenário do PalaOlimpico enche-se de legumes, fruta e (muita) cor mas, no final, os letões correm o risco de ficar com um melão. O apuramento para a final não está garantido e eles sabem-no. Podem, no entanto, ser uma das surpresas da noite. Na cerimónia de abertura, foram os mais divertidos e até cantaram em português.

O lugar às canções intimistas

O palco da Eurovisão
O palco da Eurovisão créditos: Eurovisão

Depois de um início mais impactante visualmente, seguem-se duas atuações que privilegiam a simplicidade cénica. Monika Liu, representante da Lituânia, é a primeira a ser prejudicada pelo semicírculo escuro que foi montado no palco, com grande parte das projeções a passarem despercebidas durante a interpretação de "Sentimentai". A atuação do suíço Marius Bear é ainda mais sóbria. As reações menos entusiastas do público colocam-nos fora da final de sábado.

O revivalismo da música disco, a cargo dos LPS, o grupo de estudantes que representa a Eslovénia, vem acompanhado de uma bola de espelhos gigante. A canção "Disko" tem sido elogiada mas há muita gente que prefere outros estilos musicais. O apuramento é difícil. Nas listas das casas de apostas, têm ocupado os últimos lugares, ao contrário do que sucede com os artistas que se seguem, o coletivo ucraniano Kalush Orchestra, que as lidera há já várias semanas, com "Stefania".

O grupo liderado pelo rapper Oleh Psiuk é um dos fortes candidatos à vitória e soube tirar partido da simpatia natural que a invasão russa da Ucrânia tem despertado um pouco por todo o mundo. No palco, a imagem de uns olhos que choram, escondidos por um sol negro, remete para o sofrimento de uma população em guerra. No final, surgem as cores da bandeira do país. Têm sido dos mais aplaudidos durante os ensaios. Voltarão a sê-lo na atuação do próximo sábado.

O sentimento saudosista português

Maro no palco da Eurovisão
Maro no palco da Eurovisão

A Bulgária aposta, este ano, no rock comercial dos Intelligent Music Project, grupo que já trabalhou com artistas como Stevie Wonder, com Phil Collins e com os Black Sabbath. Apesar do currículo, a passagem à final é praticamente impossível, apesar da (grande) energia em palco. "Intention" fica-se pelas boas intenções e não convence, ao contrário da simplicidade da neerlandesa S10, com o apuramento praticamente garantido. Foi outra das mais aplaudidas nos ensaios.

A Moldávia faz a festa com rock'n'roll e folclore moldavo, evocando uma animada viagem de comboio entre as cidades de Quinixau e Bucareste. No final da noite, Zdob si Zdub & Fratii Advahov não deverão, no entanto, ter grandes razões para festejar. A nova versão da canção que apresentam, "Trenuletul", perdeu força e identidade. A estrutura semicircular do cenário também os prejudica visualmente. A viagem entre a Moldávia e a Roménia deverá terminar por aqui.

Depois de um momento de festa, segue-se um ritual de celebração intimista numa zona frontal do palco que quase nenhum outro artista explorou. Maro e as cinco cantoras que a acompanham, cantando em círculo, recordam um dos avós da intérprete em "Saudade, saudade". A representante portuguesa foi, no primeiro ensaio geral, a única a ser aplaudida ainda antes de começar a cantar. O contraste com a atuação anterior é grande mas o apuramento está praticamente garantido.

Os suspeitos do costume

Apesar de estar longe de ter uma das canções mais fortes da edição deste ano, a Croácia esmerou-se. A atuação de Mia Dimsic tem tudo o que uma apresentação num evento como este deve ter mas a floresta negra que recriou como pano de fundo é tapada pela estrutura semicircular que ocupa grande parte do palco. A Dinamarca também aposta numa canção saudosista mas "The show" não parece deixar saudades. Todavia, o coletivo feminino Reddi consegue tirar partido do cenário.

Longe da extravagância visual dos representantes do ano passado, o trio de intérpretes femininas da Islândia transporta os espetadores eurovisivos para um universo musical que evoca os tempos de antigamente e os dias em que tudo acontecia mais devagar. Apesar de ter vindo a conquistar um número crescente de fãs, "Med haekkandi sól" das Systur soa a antigo. O acesso das irmãs islandesas à final também não está garantido, ao contrário do do país que se segue.

Amanda Georgiadi Tenfjord, representante da Grécia, uma cantora que estuda medicina e que esteve na linha da frente num hospital durante a fase mais gravosa da pandemia de COVID-19, inspirou-se no que viveu nessa altura para escrever "Die together", uma balada emotiva, interpretada magistralmente, que pode ser uma das grandes surpresas da edição deste ano. O visual revivalista valoriza a atuação da artista de 25 anos, que quer colaborar com a portuguesa Maro.

As surpresas da reta final

Os que só acompanham o Festival Eurovisão da Canção nesta fase vão ficar surpreendidos com a atuação da Noruega. O saudosismo da infância levou os Subwoolfer, que atuam de cara tapada e recusam-se a revelar a verdadeira identidade, a reescrever a história do Capuchinho Vermelho em "Give that wolf a banana", sugerindo aos que os ouvem que, se se cruzarem com o lobo mau, devem dar-lhe uma banana para que ele não tenha vontade de comer a avó da menina.

É uma das grandes atuações da noite e também um dos fortes candidatos a transitar para a grande final de sábado. Para a última atuação da noite, a da arménia Rosa Linn, o palco do PalaOlimpico transforma-se num quarto branco, decorado com uma cama, um sofá e um candeeiro da mesma cor. "Snap" está longe de ser uma das canções favoritas dos fãs do certame mas o mérito da Arménia apresentar uma das encenações mais originais da noite já ninguém lho tira.

Antes de serem revelados os 10 países que transitam para a fase seguinte do concurso, regressa o revivalismo de outras épocas numa série de homenagens. Raffaella Carrà, cantora, bailarina e apresentadora italiana que fez (muito) sucesso em Portugal na década de 1980, falecida há menos de um ano, vai ser recordada na reta final da cerimónia. Robert Miles, DJ, músico, compositor e produtor discográfico, vítima de cancro em 2017, é outro dos homenageados da noite.