“Greenhouse”, das curadoras e artistas Mónica de Miranda, Sónia Vaz Borges e Vânia Gala, foi o projeto escolhido, num concurso limitado organizado pela Direção-Geral das Artes (DGArtes), para representar oficialmente Portugal na Bienal de Arte, que acontece entre 20 de abril e 24 de novembro, em Veneza, Itália.

De acordo com Mónica de Miranda, numa conferência de imprensa hoje em Lisboa, durante a Bienal de Arte de Veneza, será instalado no Palazzo Franchetti, o pavilhão de Portugal, um jardim “que vai ser cuidado” e que, entre outras iniciativas, vai lembrar Amílcar Cabral, fundador e líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, que este ano completaria o 100.º aniversário.

“Um jardim pontuado por instalações, que também carregam jardins, esculturas que são palcos, esculturas móveis que se transmutam para o espaço, que recebem coreografias e onde vão acontecer escolas, que tentam replicar as assembleias de Amílcar Cabral, que aconteciam em florestas”, explicou Mónica de Miranda.

No Jardim Crioulo serão também instaladas escutas de rádio, para a qual contribuíram “vários pensadores”, e o projeto “abre-se para mais artistas e outros curadores refletirem”.

Durante a Bienal “convoca-se um público ativo para fazer parte da experiência do projeto expositivo, que, além de ser uma experiência estética, expande-se e convoca vários pensadores, vários artistas, vários investigadores a refletirem a própria temática do pavilhão”.

As três curadoras, artistas e investigadoras, constroem, com este projeto, “uma reflexão ecológica, histórica e coletiva, que o jardim traz em si”.

“O jardim tem um tempo que é cíclico, traz o passado, o presente e o futuro. No passado traz todas as histórias de um legado colonial português, e desconstrói esse espaço a partir de práticas artísticas que apontam para o futuro, uma utopia de conseguir criar a partir da arte um lugar de encontros onde se estabelece um diálogo, que reflete essas questões e traz novas alternativas para elas”, referiu Mónica de Miranda, em declarações à Lusa, à margem da conferência de imprensa.

Questionada sobre se, no ano em que se celebram 50 anos do 25 de Abril de 1974 e do início do processo de independência das ex-colónias portuguesas em África, ganha especial relevância o facto de Portugal ser representado na Bienal de Arte de Veneza pelo projeto “Greenhouse”, Mónica de Miranda considerou que o projeto “veio no momento crucial de se repensar o fim do colonialismo, de repensar esse espaço e ver quais são as consequências que ainda estão presentes desse legado histórico, que cria várias desigualdades sociais e económicas ainda, no presente”.

“De certa forma este projeto quer refletir esse espaço [50 anos do 25 de Abril e início das independências], e trazer também o pensamento de Amílcar Cabral e de outros pensadores, que foram fundamentais para derrotar o regime colonial e que implementaram estratégias importantes de libertação”, referiu.

Durante a conferência de imprensa, o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, salientou a importância de “Greenhouse” ser o projeto que representa oficialmente Portugal na Bienal de Arte de Veneza neste ano em particular.

“É também uma oportunidade de olharmos, nos 50 anos da nossa Democracia e nos 50 anos das lutas de libertação, para a experiência da colonização com os olhos do colonizado, e por isso também a evocação de Amílcar Cabral, nos 100 anos do seu nascimento e 50 da sua morte, que foi no ano passado”, afirmou Adão e Silva, em declarações à Lusa, no final da conferência de imprensa.

O ministro recordou que a arte contemporânea é, “por definição, especulativa e política, não no sentido de oferecer soluções, mas por colocar questões e interrogar”.

“O tema que atravessa [a Bienal de Arte de] Veneza em 2024, que é ‘estrangeiros em toda a parte’, é um tema fundamental para compreendermos a contemporaneidade e que obriga a um discurso especulativo e problematizador”, afirmou.

Pedro Adão e Silva destacou ainda, em relação ao projeto, que “o conceito muito estimulante de Jardim Crioulo, de certa forma, é um modo de questionar o estrangeiro em toda a parte”.

“Um jardim é um espaço que temos de cuidar, e o crioulo, como qualificativo, é um espaço franco, uma gramática franca, de partilha, de entendimento e, por isso, de formação de comunidade”, afirmou.

O Jardim Crioulo que existirá na abertura da Bienal, em abril, será diferente do que se verá no final, em novembro.

“Isso faz parte também do projeto, que não é uma obra estática, está sempre em movimento e cada dia está diferente”, referiu Mónica de Miranda sobre o protagonista do projeto “Greenhouse”, que será cuidado e onde “haverá colheita” de frutos e ervas aromáticas e medicinais.

De acordo com a artista, a equipa do projeto está a trabalhar com uma associação de Veneza que “dará uma nova vida e fará uso das plantas”.

Utilizando desenho, instalação, fotografia, vídeo e som, o trabalho de Mónica de Miranda é baseado em temas de arqueologia urbana e geografia pessoal.

Recentemente, foi contemplada com uma bolsa Soros Arts 2023, “prémio proeminente que apoia arte socialmente engajada”, da rede internacional de filantropia Open Society Foundations.

Sónia Vaz Borges apresenta-se como uma “historiadora militante”, cuja carreira se desenvolveu em universidades públicas de Lisboa, Berlim e Nova Iorque.

Tem um doutoramento em Ciências da Educação – História da Educação, pela Universidade Humboldt de Berlim, onde é investigadora.

Vânia Gala é uma coreógrafa e investigadora, cujos interesses “incidem sobre práticas experimentais em performance, dança e teatro com ênfase em noções de recusa, (não)performance, opacidade, pensamento-coreográfico, fugitividade, improvisações, dissenso e hospitalidade”.