"Era um trabalho que estávamos a desenvolver com ele. Tínhamos uma série de encontros aqui na faculdade [Universidade Nova de Lisboa], onde íamos ouvir os discos dele e conversávamos sobre tudo. (...) Ele cedeu-nos um conjunto de fitas que estavam guardadas num sótão há bastantes anos, e nós fizemos o tratamento, a digitalização desse material fonográfico", disse à agência Lusa o investigador Hugo Castro.

O projeto estava a ser desenvolvido desde finais de 2016 pelos investigadores Hugo Castro, Ricardo Andrade e António Tilly, do INET, não tem ainda prazo de conclusão e tem como objetivo a publicação de um livro sobre esses processos de produção fonográfica de José Mário Branco.

O material de investigação é, não só, do arquivo de composições de José Mário Branco, mas também de músicos com quem ele trabalhou enquanto produtor e arranjador, como, por exemplo, Camané e José Afonso.

Questionado pela Lusa sobre a existência de material áudio inédito nesses arquivos, Hugo Castro afirmou que os registos contêm "alguns processos da gravação do disco que não saem no fonograma final. Do José Afonso em particular não existe".

"Em relação ao 'Cantigas do Maio' [álbum de José Afonso de 1971] não, mas em relação a outros materiais, sim. Havia coisas em que estávamos a trabalhar com ele e a pensar numa forma de isso ficar disponível ao público", disse.

Hugo Castro explicou ainda: "Estamos a falar de canções, versões para canções, trabalhos de gravações em estúdio no qual estavam a ser discutidos os arranjos das canções, ou canções com arranjos diferentes. Esse material estava em fitas magnéticas e em cassetes, que ele nos cedeu para digitalizar".

Algum do material de arquivo digitalizado neste processo já foi publicado por José Mário Branco em 2018, num duplo álbum com inéditos e raridades, gravados entre 1967 e 1999.

Na altura, José Mário Branco explicou à agência Lusa que a escolha de temas para esse duplo álbum era variada e diversa.

"Eu acho que, de facto, o resultado final é uma prova de uma certa polivalência da minha parte, mas houve critérios, apesar de tudo, porque era muito material e teve que se fazer uma seleção", afirmou.

Entre as novidades incluídas nesse álbum estão, por exemplo, a música "Fim de Festa", incluída num EP de marchas da Comuna-Cooparte, "Quantos é que nós somos", feito para um disco de homenagem a Otelo Saraiva de Carvalho, e "Le Proscrit de 1871", retirado de um EP gravado com a cooperativa artística francesa Groupe Organon, nos anos 1960, em Paris.

Sobre o projeto, Hugo Castro explicou que os investigadores estavam atualmente na fase de audição dos discos dele, dos de artistas com quem colaborou e produziu, do material digitalizado e também de gravação de entrevistas e conversas, nas visitas regulares que o músico fazia ao instituto.

"Há duas semanas estivemos a ouvir algum material que trabalhou com Camané, por exemplo, e tínhamos uma nova sessão para ser marcada sobre os discos do Carlos do Carmo", contou Hugo Castro.

O investigador elogiou a total abertura e sintonia de José Mário Branco com o projeto e lamenta a perda de alguém que era "um elemento da equipa".

"Mas o nosso trabalho como investigadores pode continuar. Não vai terminar por aqui", disse.

Este trabalho de investigação está a ser feito em paralelo ao que decorreu no Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical (CESEM), também da Universidade Nova de Lisboa, e que permitiu, em 2018, a disponibilização 'online' de quase todo o arquivo documental de José Mário Branco.

"É um repositório de informação muito importante, porque ilustra a trajetória de um cantautor com muito peso na música portuguesa, e documenta a rede de relações artísticas, como a música, o teatro, a intervenção", afirmou na altura à agência Lusa o investigador Manuel Pedro Ferreira, que preside ao CESEM, da Universidade Nova de Lisboa.

O trabalho foi feito em molde semelhantes ao do INET, com digitalização de caixas de documentação do músico, como partituras, cartas, letras de canções, alinhamentos de espetáculos, fotografias, material de trabalho, maquetas.

"Foi-nos emprestando o material, fazíamos a limpeza, o tratamento, a digitalização e devolvíamos. Foi um processo lento", recordou o investigador.

José Mário Branco, que morreu aos 77 anos, é um dos mais importantes autores da música portuguesa e deixa um legado de 50 anos de música e de inquietação, interventiva e militante.

Nascido a 25 de maio de 1942, no Porto, José Mário Branco foi um renovador da música portuguesa, em particular a partir dos anos imediatamente anteriores à Revolução de Abril de 1974, e cujo trabalho se estendeu também ao cinema, ao teatro e à ação cultural.

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