"O Coliseu, nesta altura do ano, costuma ser associado a circo, mas aqui não há palhaços porque esses foram de cana." Foi com esta premissa política que o ator David Santos apresentou os Dead Combo, que galvanizaram o Coliseu dos Recreios, em Lisboa, durante duas horas e meia e tocaram êxitos de A Bunch of Meninos, o último álbum, mas também vários temas dos anteriores, com surpresas pelo meio.

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Casa cheia, Dead Combo no meio da arena do Coliseu dos Recreios. Todas as condições estavam montadas para um revival do que aconteceu no início deste ano, mas com algumas surpresas. Num espaço que era só deles, mas onde nós nos sentimos bem acolhidos, foi com Povo que Cais Descalço que se deu o tiro de partida. Miúdas e Motas, "uma recordação de tempos deliciosos", dixit Tó Trips, foi o outro tema de A Bunch Of Meninos escolhido nesta fase inicial.

Depois foi a hora de abrir o livro e procurar temas do passado - neste caso, Mr. Eastwood. Num instante, o Coliseu foi transportado para um western, em que só faltou um duelo de pistolas. Estava instalado para um western spaghetti à lisboeta, acompanhado às guitarras do Pedro Gonçalves e do Tó Trips. Uma nota para Tó Trips, ou melhor, para a perna esquerda de Tó Trips. Mais precisa do que um metrónomo, conseguiu aguentar o ritmo durante o concerto inteiro.

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Os Dead Combo, para além de dar, através das suas músicas, uma outra mística e olhar de Lisboa, conseguem também proporcionar uma viagem à volta do mundo. Sopa de Cavalo Cansado, muito por culpa daquela melódica de Pedro, colocou-nos numa viagem com escala em Paris, antes de irmos diretamente para o Bairro Alto, que Tó Trips dedicou "Dona Emília" à Dona Emília da Zé dos Bois, onde os Dead Combo atuaram muitas vezes e guardam imensas recordações.

As riffadas monumentais, o cavalgar das guitarras, os ritmos - num instante calmos, noutro incessantes -, acabam por fazer perder a noção do tempo e do espaço, para gaúdio dos presentes. Quando caímos na realidade, entra um trio de cordas, uma troca de guitarra para o contrabaixo (no caso de Pedro) e siga para bingo com Putos a Apanhar Maçãs, que dá origem uma ovação enorme (uma de várias) por parte dos presentes.

As histórias por detrás da origem das músicas são variadas, mas também são explicadas. Desde músicas inspiradas no fado de Amália, para um trabalho cinematográfico (Esse Olhar Que Era Só Teu), à cover "versão restaurante chinês" de Like a Drug, Queens of The Stone Age, porque ouviam várias vezes na estrada e que foi excelentemente interpretada liricamente pela soprano Ana Quintans, até à inspiração num arraial religioso que ocorreu entre Braga e Guimarães (Arraia), as histórias são muitas.

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O espetáculo contou com vários convidados, mas o ponto alto foi a inclusão do baterista brasileiro, mas radicado em Portugal há anos, Alexandre Frazão, na reta final do concerto. Se foi apresentado como "uma pessoa do jazz", por Tó Trips, desengane-se o leitor que pensa que ele fica por este estilo. E a prova disso foi em Eléctrica Cadente e Cacto (uma das malhas antigas), que o levou, e também aos Dead Combo, a um estado de metamorfose psicadélico. Um rock bem mais agressivo do que conhecemos hoje em dia dos Dead Combo.

O desfile continuou e entrou também a Royal Orquestra das Caveiras para tocar Manobras de Maio 06. "Depois da tempestade [alusão ao Cacto], tem de vir algo bom, como um casamento", disse Tó Trips. Esta entoada mais festiva foi continuada por Waits e por Lusitânia Playboys, uma música inspirada num episódio que juntou os seguintes ingredientes: Rapazes do Jazz, Mulheres, Cais do Sodré, Porrada.

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Este espetáculo de natal não poderia ficar composto sem as canções A Bunch of Meninos e Lisboa Mulata. Tocadas a um ritmo com tanto de louco como de doentio (no bom sentido), este final acabou com um Coliseu totalmente excitado e de pé a aplaudir a rapaziada.

Para o encore estava guardada uma outra surpresa. Desta vez, tocaram no palco em si. Com uma instalação artística totalmente diferente, ornamentada por retratos, Hawai em Chelas e B.Leza fecharam com chave de ouro uma noite que merece ser recordada.

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Fotos: Rita Sousa Vieira