A obra conta a história do Centro Revolucionário Mineiro (CRM), movimento que ocupou a 22 de maio de 1975 o edifício onde a Companhia das Minas mantinha “reféns” documentos e informação sobre os mineiros, apesar de o complexo mineiro ter deixado de laborar em 1970.

Através de testemunhos e após consulta de documentos, Ana Paula Correia, Micaela Santos e Daniel Vieira lançam “Quando o Povo Ocupou o Que Era Seu” para “preservar a memória e dar a conhecer o relato apaixonado de quem viveu e participou daquele momento histórico para São Pedro da Cova”, uma freguesia do distrito do Porto que “até na paisagem tem marcas da dureza daqueles tempos”, disse à Lusa uma das autoras.

Segundo Ana Paula Correia, este livro começou a ser trabalhado há sete anos, quando estava a ser preparada uma exposição sobre o CRM, movimento que surgiu no período do PREC – Processo Revolucionário em Curso, no pós-25 de Abril de 1974.

“O CRM era composto pela população de São Pedro da Cova, não era nenhuma elite, nem nenhum partido”, recordou.

“A população tinha o sentimento de que pelo trabalho nas minas, tinham o direito de usufruir das casas [da Companhia das Minas] (…). Quando a mina encerrou, os mineiros ficam sem trabalho e passaram a ter de pagar renda à Companhia das Minas. Muitos nem sequer tinham recebido indemnização. Algumas casas nem casa de banho tinham”, descreveu a autora.

Foi por essa convicção, a de que “o povo merecia ter teto, sustento e educação”, que, de noite, o movimento iniciou a ocupação do complexo mineiro.

Antes ocuparam a antiga central elétrica que atualmente é o edifício dos bombeiros, onde queriam criar um centro cultural.

O processo foi iniciado por professores e crianças das escolas, mineiros, jovens ligados ao Grupo de Teatro e pessoas ligadas às Comissões de Moradores.

Mais tarde juntou-se a Brigada SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local) de São Pedro da Cova, que incluía engenheiros, arquitetos, estudantes e assistentes sociais.

Já num plenário que “esgotou” o antigo campo de futebol de São Pedro, a 02 de junho de 1975, o CRM contou com o apoio do Movimento das Forças Armadas.

Nessa sessão, foram aprovadas “de braço no ar” duas moções: a expropriação dos bens da Companhia das Minas, objetivo que nunca chegou a concretizar-se, e a alteração do nome da Escola Preparatória D. Afonso V, “um colonialista”, para Escola Preparatória José Sarrisca, “nome de um mineiro que lutou contra o fascismo”.

“Era um movimento com paixão. Muitos dos que protagonizaram o momento estão vivos e quando os entrevistamos sentimos a paixão, a saudade, o orgulho daquele período, mas também a tristeza por não terem conseguido concluir os objetivos”, contou Ana Paula Correia.

De acordo com a autora, o CRM manteve-se em funcionamento até início dos anos 1980, não tendo sido possível especificar a data em que terminou, embora existam notícias em jornais como Diálogo (um jornal local), O Comércio do Porto, Jornal de Notícias, Diário de Notícias, Diário de Lisboa, Gazeta Nacional, ou O Combate.

E “foi graças à ação do CRM, cuja primeira preocupação foi garantir que as rendas das casas dos mineiros reverteriam para obras em vez de serem entregues à Companhia das Minas, que foi possível recalcular as reformas dos trabalhadores”.

“A população de São Pedro da Cova era pobre e analfabeta, tinha muitas carências. O CRM não fez tudo [a que se propôs] mas focou-se e conseguiu o mais básico dos básicos: criar tetos, dar educação e proporcionar cultura”, completou a autora que, à Lusa, referiu ainda que este é “talvez um livro inacabado porque ficou o bichinho de querer explorar e investigar mais”.

Na obra também são descritas as visitas à freguesia de personalidades como Álvaro Cunhal, Otelo Saraiva de Carvalho, Aurélio Teixeira de Sousa, Otávio Pato, ou de cantores como Adriano Correia de Oliveira, Fausto, Vitorino, José Mário Branco, Jorge Letria e Sérgio Godinho.

Ana Paula Correria assina uma obra de cerca de 100 páginas da editora Lugar da Palavra, juntamente com Daniel Vieira, ex-presidente da Junta local, atual vereador na Câmara eleito pela CDU, e autor do livro “Não podiam trabalhar com fome” que conta a história da greve de 1946 nas minas, e Micaela Santos, curadora do Museu Mineiro de São Pedro da Cova.

Na sinopse lê-se que “a exploração do carvão durante 170 anos na freguesia” foi “feroz e difícil”, mas são também lembrados “os elementos de unidade, a luta e resistência” que “fizeram crescer sentimentos contraditórios numa comunidade que olha para o seu passado com um sentido de injustiça, mas também de orgulho”.

“Diz-se que temos a memória que escolhemos e, de facto, esta comunidade de São Pedro da Cova escolheu esta memória como a sua”, referem os autores no texto de introdução.

A apresentação está marcada para as 18:00 do dia 22, na Junta de Freguesia de São Pedro da Cova, não sendo ainda conhecidos os moldes da sessão devido às contingências da pandemia da COVID-19.

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