"Poeta da franqueza e da percepção inabaláveis", como escreve a agência Associated Press (AP), Louise Glück nasceu a 22 de abril de 1943, em Nova Iorque e somou mais de 60 anos de trabalho publicado, dominado pela poesia, o ensaio e uma breve fábula em prosa, “Marigold e Rose”.
O Prémio Nobel da Literatura foi-lhe atribuído em 2020, "pela inconfundível voz poética que, com austera beleza, torna universal a existência individual".
Numa lista de contemplados largamente masculina, Gluck foi a sétima mulher a ser distinguida com o Nobel este século e a 16.ª desde o início do prémio. Foi também a primeira obra norte-americana de poesia laureada pela Academia Sueca, depois do anglo-britânico Thomas Stearns Eliot, o autor de "Terra sem Vida", em 1948.
Ao longo de seis décadas, Glück forjou uma narrativa de trauma, desilusão, estagnação e saudade, soletrada por alguns momentos de êxtase e contentamento, como descreve o perfil divulgado pela AP.
Os poemas de Glück são muitas vezes breves, exemplares no seu apego ao “não dito, à sugestão, ao silêncio eloquente e deliberado”.
"De certa forma, a vida para Glück era como um romance conturbado – fadado à infelicidade, mas significativo, porque a dor era condição natural e preferível ao que presumia vir depois", escreve a agência norte-americana.
“A vantagem da poesia sobre a vida é que a poesia, se for suficientemente nítida, pode durar”, escreveu a autora de "Vita Nova".
Louise Glück fez a estreia literária com “Firstborn”, em 1968, com 25 anos, e foi “rapidamente aclamada como um dos mais proeminentes nomes na literatura americana contemporânea”.
Quando da atribuição do Nobel, a Academia Sueca reconheceu-a como "uma das mais relevantes poetas" da atualidade, recorrendo a mitos e figuras clássicas para escrever sobre a infância, a família e a morte.
A proximidade literária a Emily Dickinson, pela delicadeza da escrita, e a capacidade de chegar ao individual a partir de temas universais foram igualmente características apontadas.
A sua obra somou vários prémios literários, como o Pulitzer, em 1993, por "Íris Selvagem", o Bollingen, em 2001, pelo percurso literário, o National Book Critics Circle, o Los Angeles Times Book, o Wallace Stevens da Academia de Poetas Americanos, assim como o National Book Award, em 2014, por “Noite Virtuosa e Fiel”, e a Medalha de Humanidades, em 2015, entre outros galardões.
Louise Glück lecionou Língua Inglesa na Universidade de Stanford e na de Yale, e considerava a experiência do ensino não uma distração da poesia, mas uma “receita para a lassidão”.
Quando da atribuição do Nobel, antigos alunos recordaram-na como exigente e inspiradora, que os soube orientar na procura das suas próprias vozes.
“Não havia hipótese para as subtilezas da mediocridade, nem elogios falsos. Quando Louise fala há que acreditar, porque ela não se esconde nas convenções da civilidade", disse a escritora Claudia Rankine, antiga aluna de Glück, à AP, em 2020.
Louise Gluck era descendente de judeus do Leste Europeu e cresceu numa família alheada da escrita. Seu pai, recorda hoje a AP, ajudou a inventar o canivete X-Acto; sua mãe, escreveria Glück, era a “líder moral do trabalho”, da família, aquela cuja opinião ela considerava acima de todas as outras.
Glück teve duas irmãs, uma das quais morreu antes do seu nascimento, tragédia a que alude em “Parados”. Na adolescência bateu-se com a anorexia e, como disse mais tarde, ficou aterrorizada com a mortalidade. Então, escolheu a vida.
Da sua obra literária, a Relógio d'Agua tem publicados em Portugal, em edições bilingues, "A Íris Selvagem" e "Vita Nova", traduzidos por Ana Luísa Amaral, "Noite Virtuosa e Fiel" e "Ararate", por Margarida Vale de Gato, "Uma Vida de Aldeia", por Frederico Pereira e, por Inês Dias, "Averno", "Meadowlands" e "Receitas de Inverno da Comunidade", título posterior ao Nobel. A poeta sempre traduzida por poetas.
A publicação portuguesa de “Marigold e Rose” está anunciada para este último trimestre.
Até à atribuição do Nobel, era escassa a edição da obra da escritora em Portugal. Havia "Landscape", na revista Telhados de Vidro, em 2006, numa tradução de Rui Pires Cabral, e "O Poder de Circe", incluído na coletânea "Rosa do Mundo", editado pela Assírio & Alvim (2001).
Neste poema, traduzido por José Alberto Oliveira, Gluck escreve: "Nunca transformei ninguém em porco. Algumas pessoas são porcos; faço-os parecerem-se a porcos. Estou farta do vosso mundo que permite que o exterior disfarce o interior."
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