Staier, artista associado em 2018 da Casa da Música, no Porto, e um dos principais nomes do cravo e pianoforte a nível global, assumiu também a direção musical da orquestra, durante a gravação do disco, que inclui obras do português Carlos Seixas (1704-1748), definido pelo cravista como "um grande compositor", um dos grandes nomes da música no século XVIII.

No programa figuram os dois Concertos para cravo, em Sol menor e Lá maior, do compositor de Coimbra, que foi cravista e organista da corte de D. João V, além de peças de Domenico Scarlatti (1685-1757), italiano com quem se cruzou na corte portuguesa, “Alla Portugesa”, uma das "Bizzarie Universali, op.8", do inglês William Corbett (1680-1748), e ainda uma versão para orquestra de cordas da "Música Noturna das Ruas de Madrid", do italiano Luigi Boccherini (1743-1805), que compôs grande parte da sua obra em Espanha.

De Scarlatti, serão interpretadas três sonatas para cravo, entre os dois Concertos de Seixas, e outras duas antes do Quintettino op.30 n.º 6, em Dó maior, "La Musica Notturna delle strade di Madrid", de Boccherini, transcrita por Andreas Staier.

O programa inclui ainda o Concerto n.º5, em Ré menor, vindo da série dos 12 "Concertos in seven parts done from the lessons of Domenico Scarlatti", compostos pelo britânico Charles Avison (1709-1770), a partir de sonatas para cravo do compositor italiano.

A colaboração com a Orquestra Barroca, que depois do disco terá uma digressão associada ao programa, começou “talvez há cinco ou seis anos”, explicou Andreas Staier à Lusa, e incluiu, entre outras ações, um concerto na Casa da Música, em 2015, dedicado a Johann Sebastian Bach, que também se estendia ao barroco francês de d'Anglebert, De Grigny e François Couperin.

“Foi, desde o início, uma colaboração muito boa. Gosto muito deles, são muito bons músicos, fazem um bom grupo, pessoas muito boas. É uma combinação perfeita”, afirmou Andreas Staier.

O músico alemão contactou a editora Harmonia Mundi, com quem costuma gravar habitualmente, e começou a trabalhar a decisão do programa com a orquestra portuguesa.

A escolha das obras a incluir atravessou uma série de decisões práticas, desde o orçamento para a digressão, que poderia ficar “muito mais cara com músicos adicionais para um programa de Mozart ou Haydn”, às características particulares dos músicos da formação portuense.

“Depois começámos a pensar num programa com música portuguesa e espanhola, e com reflexões sobre a música ibérica escrita por dois compositores britânicos”, contou o cravista.

O programa inclui “um dos grandes génios de música para tecla”, o italiano Domenico Scarlatti, que foi “a ligação entre todos os compositores”, e o resto “foi-se compondo”, num trabalho de pesquisa e investigação, no qual o pianista alemão confessa ter “aprendido muito”.

No que toca ao trabalho de Carlos Seixas, Andreas Staier acredita que o “grande compositor” poderá ter criado “os dois primeiros Concertos para tecla [e orquestra] da História”, admitindo mesmo que possam anteceder os 14 concertos para cravo de Johann Sebastian Bach, escritos em Leipzig, a partir de 1729/1730, embora essa seja uma constatação “difícil de confirmar”, pela distinção por vezes complicada de fazer, nesta fase, entre música de câmara e concerto.

A última peça do CD, “Quintettino op.30 nº 6, em Dó maior, ‘La Musica Notturna delle strade di Madrid’”, tem solos de violoncelo, e Staier deixa elogios ao “grande violoncelista da Orquestra Barroca, Filipe Quaresma”, uma vez que Boccherini “também era violoncelista, e esta obra não é para principiantes”.

O disco “provavelmente estará pronto em novembro, com a intenção de aproveitar o arranque da digressão”, e beneficiou das duas atuações públicas, com o programa, realizadas antes das sessões de gravação, em Dijon, França, e Ludwighafen, na Alemanha.

“O processo de gravação é sempre muito trabalhoso, fica-se sempre preso em pontos que não tínhamos pensado que iam ser difíceis. (...) Acho que será um CD muito bom, mesmo que seja sempre surpreendente ouvir o resultado final”, disse Andreas Staier à Lusa, destacando ainda o peso de “uma boa edição”, no resultado final.

Apesar de o projeto atual ‘ocupar’ Staier e a orquestra durante o próximo ano, a colaboração deve continuar, num novo repertório, uma vez que ambos querem “fazer um projeto de Haydn”.

“Espero que possa voltar para isso, porque o Porto é uma cidade maravilhosa. Arrependo-me sempre de não falar português, apesar de já o conseguir ler”, explicou o músico.

O programa será ainda apresentado a 03 de novembro, nas Noites de Queluz, e na Casa da Música, nos dias 04 e 06 desse mês, numa atuação que contará com o Remix Ensemble. Seguir-se-á Viena, na Konzerthaus, no dia 09.

No Porto, a expressão barroca combina-se com a música nova, pelo Remix Ensemble, que estreia uma obra de Gonçalo Gato, compositor em residência, encomendada pela Casa da Música, antes da interpretação de “Auf die Stimme der weißen Kreide" ("Na voz do giz branco", em tradução livre), do austríaco Johannes Maria Staud.

Carlos Seixas, um pioneiro da música concertante

O cravista alemão admite a possibilidade de o compositor português ter escrito "o primeiro concerto para cravo”.

Em entrevista à agência Lusa, Staier considerou que os dois Concertos para cravo do compositor português, um dos grandes nomes da música no século XVIII, estão entre “as primeiras obras” do género, e podem mesmo anteceder os concertos para cravo de Johann Sebastian Bach, escritos em Leipzig, por volta de 1730, anos depois dos concertos para violino, concluídos cerca de 1720, quando o mestre alemão se encontrava ao serviço da corte de Köthen.

Carlos Seixas, garante Andreas Staier, "é um grande compositor". "Pertence a um grupo de compositores de quem se perderam muitos trabalhos, por causa do terramoto [de Lisboa de 1755]. Quem sabe quantos concertos e sonatas escreveu? Muito do que Scarlatti fez e não levou para Madrid também terá sido perdido. Não sabemos se é muito, se é pouco”, explicou à Lusa.

Segundo o cravista, o “terrível terramoto de Lisboa” fez com que não se tenha, hoje em dia, “muito mais música portuguesa” da primeira metade do séc. XVIII, havendo mesmo “compositores de quem se pode ter perdido tudo”, mesmo tendo em conta que “os Pirinéus foram sempre uma barreira” à evolução e maior notoriedade da música portuguesa, na Europa.

O disco terá Sonatas de Domenico Scarlatti (1685-1757), compositor italiano com quem Seixas se cruzou na corte portuguesa, um concerto do britânico Charles Avison (1709-1770), concebido a partir de peças para cravo do compositor italiano, “Alla Portugesa", uma das obras concertantes das "Bizzarie Universali, op.8", do inglês William Corbett (1680-1748), dedicadas a supostos estilos nacionais da época, e ainda uma versão para orquestra de cordas da "Música Noturna das Ruas de Madrid", do italiano Luigi Boccherini (1743-1805), que compôs grande parte da sua obra em Espanha, primeiro sob o patrocínio da coroa espanhola, depois sob proteção de outros mecenas.

Sobre os dois Concertos de Seixas, Staier considera-os “muito interessantes historicamente, porque estarão entre os primeiros para tecla da História, e são peças ótimas”, podendo mesmo “ser anteriores aos concertos para cravo de Johann Sebastian Bach”.

“Seixas poderá ter criado as primeiras peças [concertantes para cravo e orquestra]. É por vezes difícil determinar, porque em algumas obras não há como saber se pertencem a música de câmara ou concerto. Historicamente, por exemplo, não há nenhum concerto de [Domenico] Scarlatti”, acrescentou.

Sobre as peças de Seixas, o músico considera-as “muito diferentes uma da outra”. O primeiro, o Concerto em Lá maior, é “curto e conciso, feliz”, enquanto o outro, em sol menor, é “muito mais longo, escuro e dramático, até demoníaco”, com um “solo de violino muito interessante, no movimento mais lento”.

“Sabia que Seixas tinha escrito dois concertos, mas nunca os tinha tocado. Nunca os tinha visto. Foi, para mim, muito interessante e fascinante descobri-los”, acrescentou à Lusa.

Apesar das diferenças entre si, é possível localizar “certas fórmulas idiomáticas” que unem os dois concertos de Seixas e os permitem identificar “como ibéricos”, comprovando a existência de um idioma próprio do compositor.

Mesmo sem haver prova de uma ligação entre Seixas e Scarlatti, o conhecimento entre ambos terá sido inevitável, e o cravista e pianista alemão julga “impensável [esta proximidade] não ter acontecido”, uma vez que se cruzaram na corte de Lisboa, durante anos.

“Alguns musicólogos dizem que Scarlatti foi o professor, outros que não. Não é possível ser estabelecido [o tipo de relação], porque se perderam composições e documentos. (...) Há, claro, um certo fundo de música popular ibérica, e certas progressões harmónicas, que acompanham as peças [de Seixas] e que as fazem diferentes da música italiana”, referiu.