"O júri, coordenado por José Manuel de Vasconcelos, e constituído por Clara Rocha, Cristina Robalo Cordeiro, Fernando Pinto do Amaral, Maria de Lurdes Sampaio e Salvato Teles de Menezes, deliberou, por unanimidade, atribuir o Grande Prémio de Romance e Novela APE/DGLAB à obra 'Um Bailarino na Batalha'", lê-se no comunicado da APE hoje divulgado.

Da avaliação feita pelo júri tinha resultado uma lista de cinco obras finalistas: “Luanda, Lisboa, Paraíso”, de Djaimilia Pereira de Almeida, “Um Bailarino na Batalha”, de Hélia Correia, “Ecologia”, de Joana Bértholo, “Um Muro no Meio do Caminho”, de Julieta Monginho, e “O Invisível”, de Rui Laje.

Com “Um Bailarino na Batalha”, editado pela Relógio d’Água em setembro de 2018, Hélia Correia regressa ao romance oito anos depois de “Adoecer”, lançado em 2010.

O romance narra uma epopeia que é uma travessia do deserto, por um grupo de caminhantes que quer fugir da tragédia da guerra e ruma em direção à esperança na paz, em direção à Europa.

“Pesados como pedras, no entanto velozes como pedras, eles caminham, os últimos errantes, uns poucos dias mais adiante, os poucos dias que os separam da música dos ossos. Eles caminham, os últimos errantes, embatendo uns nos outros, repelindo, à força de olhos e de cotovelos, à força daquele ronco que lhes bate, mais do que o coração, dentro do peito, repelindo e chamando, concentrados na marcação das cenas animais, na coreografia da matilha”, escreve a autora.

Esta narrativa transforma-se num comentário poético da atualidade noticiosa, as condições de sobrevivência dos refugiados e o aumento do seu número, no mundo inteiro, ou, dito por outras palavras, trata-se de um poema narrativo épico em prosa, como descreveu a crítica literária, na altura da publicação do romance.

Este cortejo de caminhantes vai-se unindo pelo instinto de sobrevivência, tornando-se como uma família, uma “pátria nómada”.

Uma outra passagem do livro descreve-os: “Agora dormem agitadamente, entregues uns aos outros, confiando primeiro nos laços de família, só depois na vizinhança, e confiando pouco, enfurecidos contra os próprios sonhos que impedem a vigília. Fogem da pátria. Tinham pátria? Tinham, pelo menos, povo. Porque as pátrias surgiam num momento e apagavam­‑se noutro. Os povos, não”.

Contudo, ao chegar ao destino final da sua caminhada, este povo descobre que “afinal não há nenhuma Europa para onde fugir”.

À entrada da cidade, um guarda avisa-os para isso mesmo, que a Europa não os quer, e a justificação nas palavras dos próprios caminhantes: “Paramos muito. Damos prejuízo. Paramos para rezar. Temos costumes”.

Uma critica literária do jornal Público sublinhava que “o que faz do texto de Hélia Correia uma obra verdadeiramente redentora (capaz até de redimir a nossa abalada confiança no poder transformativo da arte literária) é a maneira como a autora, ‘tematizando’ um assunto das notícias de todos os dias, o amplifica e soleniza, emprestando-lhe a 'intemporalidade' que qualifica os mitos e as honras de uma epopeia clássica".

Hélia Correia, que venceu o Prémio Camões em 2015, nasceu em fevereiro de 1949, em Lisboa, cidade onde estudou, tendo-se formado em Filologia Românica.

Começou a publicar poesia em páginas literárias de jornais (Diário de Lisboa, República e A Capital), em revistas como a Vértice e em antologias em 1968.

Em 1981, publicou a primeira novela, “O Separar das Águas”, a que se seguiu, no ano seguinte, “O Número dos Vivos”, mas foi “Montedemo”, obra encenada pelo grupo O Bando, que acabou por dar algum destaque à autora.

Desde muito cedo, a Hélia Correia reflete nas suas obras o gosto pelo teatro e pela Grécia Clássica.

Da sua produção literária destacam-se também os romances “Casa Eterna” e “Soma”.

Na poesia, publicou “A Pequena Morte/Esse Eterno Canto” e “A Terceira Miséria”, este último duplamente premiado na modalidade de poesia.

Em 2010, Hélia Correia publicou o romance biográfico “Adoecer”, no qual aborda a história de amor entre Elisabeth Siddal e o poeta e pintor pré-rafaelita Dante Gabriel Rossetti.

Dois anos após ter sido galardoada com o Prémio Camões, Hélia Correia foi distinguida pela Asociación de Escritoras e Escritores en Lingua Galega, como Escritora Galega Universal, para, volvidos mais dois anos, voltar a ser premiada, desta vez pela APE.

O Grande Prémio de Romance e Novela APE/Direção Gearl do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), no valor de 15 mil euros, é um prémio literário atribuído pela APE desde 1982, com o objetivo de consagrar uma obra de ficção de autor português, publicada no ano anterior à atribuição do prémio.

No ano passado, o romance vencedor foi “As Pessoas do Drama”, de H.G. Cancela, autor que já antes fora finalista deste Grande Prémio com o seu terceiro romance, "Impunidade", de 2014.

O Prémio já foi atribuído a 31 autores, tendo-o obtido por duas vezes os escritores Vergílio Ferreira, António Lobo Antunes, Mário Cláudio, Agustina Bessa-Luís, Maria Gabriela Llansol e Ana Margarida de Carvalho.