“Todos os que aqui estão, fizeram ouvir a sua voz corajosamente, usaram o poder da linguagem para lutar pela mudança social”, começou por ressalvar a moderadora da sessão, Julie Trébault, responsável pelo Artists at Risk Connection Project (Projecto de Ligação de Artistas em Risco), na delegação americana do PEN (PEN America - Freedom to Write).

A organização PEN (poetas, ensaístas e novelistas) foi “fundada por escritores, para escritores”, para defender a liberdade de expressão em todo o mundo, mas este novo projeto quer levar esse trabalho a artistas de todas as disciplinas.

Segundo adiantou Julie Trébault, “a pandemia só exacerbou os ataques a artistas” e cita exemplos como os recentes golpes na Bielorrússia, no Myanmar, em Cuba, assim como a guerra no Afeganistão.

Só do Afeganistão, a associação está “a trabalhar com centenas de artistas e as suas famílias que querem sair do país”.

“O padrão de perseguição é refletido em culturas e línguas em todo o mundo, minorias étnicas ou religiosas enfrentam ameaças” e os músicos são dos artistas mais perseguidos, adiantou.

A cantautora indígena guatemalteca Sara Curruchich é fundadora do projeto Tejiendo Sonidos, que quer amplificar as vozes da sua comunidade.

Durante a sessão, partilhou que os povos indígenas do seu país são vítimas de opressão pelo Governo, que implementa um sistema baseado “no racismo e na violência”.

“É muito lamentável e muito doloroso que exista muita opressão e muita criminalização contra quem fala e partilha a memória, mas em toda a história dos países [da América Latina] houve músicos e músicas que partilharam a história e a vivência de cada um dos povos. Apesar de toda esta perseguição que houve e este silenciamento que tentam fazer, estamos aqui com a convicção de que a música e toda a arte tem um poder que permite tecer, articular, com muito respeito a todas as pessoas e à terra também”, afirmou.

“Porque a música fala por si”, partilhou a canção “Mulher Indígena”, cantada em kaqchikel e castelhano, que retrata a luta “contra a objetificação e a exploração dos seus corpos”.

A cantora defendeu que “falar os idiomas dos povos indígenas, não só é um ato de amor, mas também é um ato de resistência”, como as canções que lembram “as vivências em tempos difíceis, como o genocídio e a perseguição do exército”.

Sara Curruchich viu as suas canções serem censuradas nas rádios, “que estão monopolizadas, porque estes meios de comunicação estão ligados a grandes grupos económicos”, contou.

“Isto no caso específico da mensagem através da música, mas há outras formas que utilizaram para tentar silenciar, como chamadas telefónicas, ameaças de morte nas redes sociais. O que procuram é silenciar-nos perante todas as injustiças que estamos a viver”, prosseguiu.

Também Ebo Krdum, de nacionalidade sudanesa e sueca, foi alvo de opressão por cantar em masara, ou masalit, uma língua de Darfur.

A sua resposta foi “recusar aparecer na televisão ou na rádio”, onde teria de cantar uma das línguas oficiais do país.

O artista e ativista contou que cresceu com a avó “e ela falava cinco línguas diferentes” e, de cada vez que dava uma ordem, “usava três línguas diferentes”, nenhuma delas a que os pais falavam.

Foi assim que foi aprendendo várias das línguas que são oprimidas pelo Governo.

Agora, está a preparar uma plataforma, que será lançada em breve, para a qual procura “ativistas que estão interessados em reescrever em línguas não escritas”.

O objetivo é criar livros que permitam registar essas línguas e ensiná-las às crianças, como já faz com alguns idiomas subsarianos.

No painel estava também prevista a presença da cantora Rahima Mahmut, que não esteve presente porque ficou retida em Londres, mas fez chegar um testemunho em que fala sobre a sua cultura uigur, uma minoria muçulmana que está a ser oprimida pelo regime chinês.

“Para o meu povo, a luta pelo nosso país está profundamente ligada à luta pela sobrevivência”, escreveu no documento lido por Julie Trébault.

A cantora e representante do Congresso Mundial Uigur relatou o terror infligido pela China, que “instalou uma rede de vigilância que cobre tudo”, e força as mulheres uigur a práticas de esterilização, abortos ou casamentos forçados com chineses para “quebrar a linhagem, as raízes, a existência”.

“A nossa linguagem é censurada, a tradição é proibida e a cultura é vista como inimiga do Estado”.

Ainda assim, considera que “a música é um sinal de resistência”, através do qual quer “partilhar a experiência uigur, a dor, mas também a alegria”.

“Neste momento, corremos o risco de perder a cultura uigur completamente. As pessoas têm medo de demonstrar a sua cultura. Se o mundo não prestar atenção, a música, literatura e cultura uigur vão ser só uma memória”.

Por isso, pede o compromisso da comunidade artística e de toda a comunidade internacional.

“Tenho esperança de que a nossa cultura é mais forte do que a repressão chinesa”, asseverou.