O cinema português tem vida difícil… Realizadores e atores protestam dizendo que Portugal não é um país generoso nessa área. A produção vê os apoios cada vez mais escassos e a audiência há muito que parece preferir o cinema americano. Para Vítor Ferreira, diretor do Festival
Caminhos do Cinema Português, o afastamento dos portugueses em relação ao seu cinema é o resultado de um estigma: «Eu creio que o público português se habituou ao longo dos anos a que o cinema português fosse, essencialmente, definido como cinema de autor. Um cinema que obriga à reflexão, a pensar, obriga a uma certa formação cultural».
O festival tem dois pontos importantes como metas, um qualitativo, ligado à audiência, e outro quantitativo ligado à produção: «formar as pessoas, formar públicos para o cinema português» algo que, de acordo com Vítor Ferreira, vai permitir «que no festival e fora dele as pessoas estejam mais interessadas em vê-lo» e, por outro lado, «mostrar o máximo da produção nacional».
Da competição à formação
Para além das várias categorias e competições do festival, o programa conta com um colóquio e com a 2ª edição do curso Cinemalogia. Este é descrito como o curso mais completo na formação de cinema e, segundo Vítor Ferreira, é direcionado tanto para o público no geral como para os profissionais do cinema. O diretor do festival explica porquê: «O Cinemalogia surgiu em Coimbra como tentativa de colmatar a deformação existente na cidade e região centro ao nível do cinema. Queríamos uma formação teórica mas também de cariz mais prático. Sair de um contexto académico e dar-lhe uma vertente mais prática, trazendo a Coimbra aqueles que nós entendemos serem os melhores formadores em cada disciplina específica».
A produção é um desses aspetos, já que, segundo o reponsável pelo festival, há muitos filmes a serem produzidos que acabam por não ver a luz (ou a ausência dela) das salas de cinema.
O júri
O júri oficial é grande e diversificado. Nomes como Inês de Medeiros, Custódia Gallego, João Silva e Ricardo Guedes, são alguns dos elementos cuja função será a de avaliar os filmes em exibição. São atrizes, manequins, músicos, jornalistas e escritores, cada um com especialidades bastante diferentes. «Os critérios base que assentam na escolha passam por ter um júri que seja o reflexo de todas as correntes do cinema português, desde o cinema de autor ao cinema mais comercial. Ter também um júri que venha de fora; críticos literários, atrizes, manequins. Não cingir a discussão do cinema português ou dos premiados a quem está dentro da própria cadeia de produção do cinema», salientou Vítor Ferreira.
Em ano de crise...
Com a crise como pano de fundo, para organizar a 19ª edição do festival, Vítor Ferreira adotou uma estratégia contenciosa, e contou também a ajuda de voluntários. «Por um lado nós temos a sorte, que é também uma necessidade, de o festival ser essencialmente organizado por voluntários, pessoas que se dedicam cinco, seis meses a esboçar o festival, a fazer os contactos, sem receber qualquer remuneração. Por outro lado, nós limitamos ao máximo todo o tipo de despesas, dos criadores, dos realizadores (…), e até somos o único festival a nível nacional que não paga despesas de deslocação às pessoas que cá vêm e continuam a vir, e controlar e restringir os custos ao mínimo em alojamento e alimentação». Apesar da estratégia, Vítor Ferreira lembra ainda que estabelecer parcerias é sempre uma mais valia para diminuir os custos.
Os Caminhos do Cinema Português têm uma forte componente jovem na sua origem, organização e participação nas próprias categorias em competição. Mas os problemas económicos do presente , diz o diretor do festival, comprometem o futuro de novos e velhos da sétima arte portuguesa. O futuro é visto com alguma reticência... «Tem havido inovação no cinema português mas o grande problema é o financiamento. Os nossos jovens realizadores têm-se voltado muito para a produção de spots ou de mini filmes e curtas-metragens, trabalhos de publicidade, e não têm acesso fácil a financiamento, e basta vermos os concursos de longas e curtas-metragens do Instituto do Cinema para verificarmos que são quase sempre os mesmos a financiar. É uma boa altura para refletir como é que o financiamento público ao cinema é feito em Portugal».
Vítor Ferreira lembra os casos de Telmo Martins e António Ferreira, jovens realizadores consagrados e com difícil acesso a financiamentos. Mas, apesar das dificuldades, considera-se um otimista e deixa a mensagem para os mais jovens: «creio que as coisas não vão ficar mal eternamente e que cada um terá a sua hipótese, mas é preciso batalhar muito e ser teimoso para continuar no meio do cinema, a produzir, às vezes sem reconhecimento e sem apoios. Mas, se o talento for comprovado, mais tarde ou mais cedo surgem oportunidades. A minha mensagem é: continuem a fazer, sejam teimosos, lutem porque é possível, e os Caminhos também estão cá para dar uma ajuda». Vítor Ferreira sublinha ainda que as produções portuguesas estão ao nível das europeias, com excelentes técnicos de fotografia e de argumento que estão a trabalhar lá fora e em grandes produções, mas que é preciso entender que Portugal é um país pequeno e não tem os meios que têm outros países, dando o exemplo da vizinha Espanha.
O Caminhos do Cinema Português arranca a 9 de novembro e irá decorrer em Coimbra, na Secretaria do Festival & Mini Auditório Salgado Zenha e no Teatro Académico Gil Vicente.
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