Desenhado pelo arquiteto português Botelho Pereira, o cine-estúdio foi concluído precisamente na véspera da independência angolana e da guerra civil que se alastrou a partir de 1975 a todo o país, pelo que o edifício, que deveria ser a primeira sala de cinema da capital do Namibe, ficou votado ao abandono e à delinquência.
As gerações mais novas do Namibe desconhecem mesmo o propósito do edifício, inalterado desde que nasceram e apesar de várias promessas, frustradas, de reabilitação do espaço ao longo dos últimos anos.
"Antes de nascer, já encontramos este cinema e (…) nós nunca o vimos a funcionar", explicou à Lusa Domingos Carmona, estudante de 30 anos que sempre viveu na cidade do Namibe, que recentemente retomou a designação de Moçâmedes, a mesma do período colonial português.
Domingos joga à bola no exterior do cinema que nunca o foi e recorda que chegou a ver o edifício vedado, indiciando o início da recuperação, mas que não passou de promessas até agora.
"Tiraram as chapas, mostra que a reabilitação não se fez sentir. Encontra-se num estado péssimo, não mostra boa imagem da província", apontou o jovem estudante, lamentando que quase 45 anos depois da conclusão daquela obra, o Namibe continue sem uma sala de cinema.
"O desejo era ver lá dentro como é, mas do jeito que está não oferece condições. É possível que ali dentro apareçam jovens delinquentes ou encontrar alguém que faça mal", avisa.
O imponente edifício tem cerca de 20 metros de altura e chega a ser descrito como uma espécie de óvni da década de 70. É por ali que José Manuel, ajudante de pedreiro, passa todos os dias, a caminho de casa, mas sem certezas sobre o que o edifício representa.
"Já encontrei feito, mas nunca ouvi falar para que serve", aponta, num cenário comum à generalidade dos mais jovens da terra.
Ainda assim, José Manuel, de 26 anos, confessa que já ouviu falar que o espaço serviria de cinema para a cidade: "Todo o pessoal gostaria de o ver a funcionar como cinema. E era importante recuperar o passado.
Devoluto e vandalizado, o interior conserva ainda alguns mosaicos e azulejos originais, além de esculturas em alto-relevo nas paredes sobre as atividades tradicionais, do campo e da pesca, do período colonial português.
Todo o edifício, que integra a lista dos cinemas e teatros históricos de Angola ao abandono, está acessível e por isso serve como local de tráfico de droga durante a noite e um recreio improvisado para as crianças e jovens das escolas vizinhas de dia.
"Nunca vimos o cine a trabalhar. Só ouvi da boca dos meus pais e dos meus avós", atira, em conversa com a Lusa, Domingos dos Santos.
Este estudante de 19 anos sabe apenas que o edifício "foi construído pelos brancos", como cinema, função bem diferente daquela para a qual hoje serve.
"Vêm fumar e beber ali. É perigoso, é pena", lamenta.
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