«A Cidade dos Mortos», que estreia no dia 14 em Portugal, revela o quotidiano em vários cemitérios no Cairo, onde vivos e mortos partilham um mesmo espaço, crianças e adultos dormem em túmulos onde estão enterradas pessoas que não conhecem.

São cidades dentro do Cairo, com estradas, ruas e becos, mercados, escolas, oficinas, com roupa estendida entre lápides, crianças a jogar à bola ao lado de jazigos.

Entre 2004 e 2009,
Sérgio Tréfaut passou vários meses no Cairo a conviver com os habitantes destes cemitérios, que foram sendo ocupados desde os anos 1960 por migrantes dos campos que não tinham condições para viver na cidade.

Sérgio Tréfaut filmou-lhes as rotinas do dia-a-dia, os casamentos e os funerais, para perceber que relação têm com a morte, ali tão perto.

«Fiquei fascinado por aquela vida. Os cemitérios são vivos, são alegres», recordou o realizador à agência Lusa, admitindo que as questões da morte, do materialismo e da espiritualidade o guiaram para fazer o filme.

Não foi por acaso que o realizador optou por colocar um coveiro como o narrador no documentário, por ter «a voz da paixão por aquele lugar».

O realizador lembra que passou muito tempo com coveiros e presenciou essa naturalidade em relação à morte. Um dia teve que interromper uma refeição, porque na sala contígua ia ser enterrada uma pessoa.

Desviaram a mobília, procedeu-se à cerimónia e passadas umas horas tudo voltou ao que era. «É assim que eles funcionam», disse Tréfaut.

Além do coveiro, há um patriarca que ensina o Corão à neta e que faz de guia turístico à equipa de filmagem pelas ruas do cemitério, há uma mulher que vai contando como se mudou para lá para casar, sem saber o que era um túmulo, como ficou viúva e perdeu um filho. Mas no final, aprendeu que é preciso tirar sabedoria do sítio onde se vive e que nada tem mais valor do que a casa onde se está.

«A cidade dos mortos» foi feito com o consentimento dos habitantes, mas à revelia das autoridades egípcias de então, recorda
Sérgio Tréfaut.

Tudo porque os egípcios têm ainda um trauma com os cemitérios habitados, «acham que aquilo é a vergonha das vergonhas», ainda que o local seja uma atracção turística.

«É uma má consciência da cidade, do universo egípcio, mas quando você conhece por dentro percebe que é extremamente tranquilo e pacífico», disse.


Sérgio Tréfaut
quer mostrar o filme em maio ou Junho à própria comunidade dos cemitérios onde filmou e possivelmente também em Alexandria, onde foi convidado pela histórica biblioteca da cidade.

Para o próprio realizador, todo o projecto do filme teve um ensinamento: «Aceitar a nossa própria condição e aceitar o nosso lado simultaneamente trágico e ter humor sobre as coisas terríveis».

@Lusa