"Every record sounds the same/ You've got to step into my world", canta Madonna em "Give Me All Your Luvin'", o primeiro single do seu 12º disco de originais. Aceitamos o desafio e entramos em "MDNA", mas não demoramos muito a perceber que, ao contrário do que a cantora de "Like a Virgin" sugere, este álbum não soa assim tão diferente de outros da pop atual. Nada que nos apanhe de surpresa: para estas canções, Madonna convocou alguns dos produtores mais requisitados da eletrónica dançável do momento - como os italianos Alle e Benny Benassi ou o francês Martin Solveig -, tática que já tinha usado no disco anterior, "Hard Candy" (2008), quando recrutou pesos pesados do hip-hop numa tentativa de atualização sonora.

Se aí o resultado pareceu requentado, muitos momentos de "MDNA" deixam a mesma sensação e mostram a rainha a tentar acompanhar algumas súbditas ou a revisitar episódios-chave da sua discografia. Estamos longe, portanto, de discos em que Madonna revelou mestria na reinvenção, já que aqui joga quase sempre pelo seguro e fica aquém da pop eletrónica mais inspirada oferecida entre "Ray of Light" (1998) e "Confessions on a Dance Floor" (2005).

"MDNA" não chega, mesmo assim, a ser propriamente uma desilusão: por um lado porque o britânico William Orbit, cúmplice habitual, consegue alguns momentos acima da média, por outro porque "Girl Gone Wild", o segundo single - e um dos mais fracos da discografia de Madonna - nos obrigou a baixar as expetativas. Quando ouvimos esse tema, tememos que "MDNA" fosse uma espécie de confissões numa pista... de carrinhos de choque - e o seu videoclip, quase tão forçado, parecia uma tentativa desesperada de recuperar a provocação da fase "Erotica" (feito à medida da geração Lady Gaga e, generalizando, do sempre fiel público gay). O disco tem, felizmente, canções mais sedutoras, ainda que o misto de house mais ou menos comercial, eurodance, electro maximal ou, claro, dubstep (que Britney Spears também não dispensou em "Femme Fatale") seja mais funcional do que desafiante ao longo de um alinhamento desconexo.

"MDNA" (edição standard*)faixa a faixa:

1 - "Girl Gone Wild": As meninas boas vão para o céu, as más vão para a pista de dança? Assim parece na faixa de abertura de "MDNA", que começa com um ato de contrição de Madonna - a remeter para o final do álbum "Like a Prayer" - mas não demora muito a saltar para a discoteca. Afinal, a ponte entre religião e hedonismo não é novidade na obra da rainha da pop, embora essa ligação não tenha um capítulo muito estimulante em "Girl Gone Wild". Alle e Benny Benassi, os produtores, servem eletrónica dançável dirigida a festas que dificilmente marcam pela música e o tema parece um dois em um: tanto lembra "Get Together" (sobretudo ao início) como o menos feliz "Celebration" e acaba por soar a um parente pobre de ambos:

2 - "Gang Bang": Madonna, diva do tuning? Já parece ter faltado mais, a julgar pelos sons de motores acelerados que condimentam o arranque a sério de "MDNA". Antes de chegar lá, "Gang Bang" aposta num spoken word que remete para os dias de "Erotica", mas em vez de sexo (também sugerido pelo título que se mete a jeito para provocar) tresanda a vingança. E a vingança serve-se de forma implosiva e repetitiva, com ondulação techno, breves participações da guitarra (que reforçam a ligação a Nancy Sinatra) e o som de sirenes, moedas a cair no chão ou um revólver a ser carregado - que acabará por ser utilizado no final, o momento mais demente (e divertido?) do disco. "Now drive, bicth! I said drive, bitch! And while you're at it die, bitch!", grita Madonna no último minuto da canção, já depois de uma intromissão dubstep que acende o rastilho para o desenlace sangrento. Colaboração improvável entre William Orbit e Demolition Crew, os produtores de serviço, "Gang Bang" é, talvez, a canção mais arrojada de "MDNA" e, por isso mesmo, daqueles devaneios que deverá polarizar opiniões. Não por acaso, Madonna revelou há poucos dias que gostava de desafiar Quentin Tarantino para realizar o videoclip. Nós também. Lady Gaga é que talvez não ache tanta graça...

3 - "I'm Addicted": Vai um shot de adrenalina? Que é como quem diz, um rodopio raver que tritura eurodance, hi-NRG ou trance naquela que é a segunda colaboração de Madonna com os irmãos Benassi e Demolition Crew. Não só é mais convincente do que "Girl Gone Wild" como teria sido uma escolha mais certeira para faixa de abertura do disco - Madonna até repete "MDNA" algumas vezes, embora a droga desta canção não seja ecstasy (MDMA) mas um interesse amoroso. Sem se aproximar de um candidato a clássico, "I'm Addicted" dá conta do recado na missão de transmitir euforia.

4 - "Turn Up the Radio": Martin Solveig não era, admitimos, dos produtores que mais queríamos encontrar num disco de Madonna. Canções como esta explicam porquê: a estrutura, além de previsível, é quase um remake do seu hit "Hello", que já ouvimos vezes mais do que suficientes. Desconfiamos que também vamos ouvir "Turn Up the Radio" outras tantas, tal o potencial que tem para single. Ao contrário das três primeiras faixas de "MDNA", esta está, como o título sugere, talhada para dominar as rádios: pop escapista, dançável e levezinha, com letra solarenga a condizer e Madonna mais uma vez ao volante (mas para uma viagem mais tranquila do que a de "Gang Bang"). Mesmo assim, é uma versão melhorada de "Hello".

5 - "Give Me All Your Luvin'": Foi o primeiro single do disco e, apesar de ser francamente superior ao segundo ("Girl Gone Wild"), parece-nos mais deslocado no alinhamento. Ao convidar M.I.A. ou Nicki Minaj, Madonna mostra-nos - ou quer mostrar-nos? - que continua atenta, mas nem precisa muito delas. Como comprova aqui, ainda consegue ter tanta frescura e energia como as cheerleaders que dão voz aos coros, mesmo com mais do dobro da idade. E Martin Solveig sai-se bem a organizar esta festa que, ao contrário dos outros temas que produziu para "MDNA", reserva algumas boas surpresas. Não será dos singles mais fortes de Madonna, mas é pastilha elástica docinha, por vezes viciante:

6 - "Some Girls": Espécie de irmã separada à nascença das canções mais robóticas de "Music", não poupa efeitos na voz e na instrumentação, resultado natural dos convocados de Madonna para este ataque à pista de dança: além de William Orbit, produtor desse álbum, "Some Girls" conta com a colaboração de Klas Åhlund, nome fundamental dos discos mais recentes de Robyn cujos créditos incluem também "Piece of Me", de Britney Spears, ou "Speakerphone", de Kylie Minogue. O embalo electro futurista desses singles volta a notar-se aqui, num dos momentos mais infeciosos de "MDNA".

7 - "Superstar": Outro relato de devoção amorosa, depois de "I'm Addicted". Mas onde esse era frenético e excessivo, "Superstar" é doce e borbulhante. A produção de Michael Malih e Indiigo, além de pouco imaginativa, não é muito diferente da de Solveig, o que não chega a comprometer a candura de Madonna, com um fascínio adolescente por alguém que compara a James Dean, Abraham Licoln, Bruce Lee ou Júlio Cesar. O refrão é dos mais pegajosos do disco e, também por isso, o tema é um sério candidato a single - dos mais formatados, mas ainda assim agradável.

8 - "I Don't Give A": Não tínhamos grandes saudades de "American Life" (a canção) e este regresso de Madonna a esse registo, tanto na sonoridade como na letra, não resulta muito melhor. Desta vez, ao abordar a sua rotina de estrela, dona de casa ou mulher de negócios - agora divorciada -, a rainha da pop não encara o multitasking como sacrifício mas enquanto oportunidade para arregaçar as mangas e mostrar o que vale. E assim diz-nos que é uma mulher independente, indiferente ao que dizem dela, embora não resista a disparar umas farpas ao ex-marido (há quem garanta que Guy Ritchie é o fantasma deste álbum, tese que esta canção não desmente). "There's only one queen, and that's Madonna",defende Nicki Minaj, convidada especial nesta canção que, no fundo, é apenas uma massagem ao ego feita ao som de hip-hop, dubstep (condimento da praxe, ao que parece) e coro operático a rematar (misturados sem grande garra por Martin Solveig). Passe-se à frente.

9 - "I'm a Sinner": Não é tanto uma canção, antes uma combinação de esboços (ou sobras?) de William Orbit para "Ray of Light" e "Beautiful Stranger". A colagem de "I'm a Sinner" a esses singles é tão gritante que só pode ser deliberada, mas fica por esclarecer o motivo da auto citação. Não que usar os mesmos ingredientes seja necessariamente má ideia: o produtor até já tinha reaproveitado estes (e muito bem) em "Amazing", a diferença esteve mesmo na confeção. Daqui, mesmo com umas pitadas de funk ou gospel à mistura, sai uma curiosidade que faria mais sentido no disco de faixas-extra.

10 - "Love Spent": Agora sim... Orbit desliga o piloto automático e, ao lado de Free School, desenha um belo exemplo de pop eletroacústica mutante. Tal como "Some Girls", "Love Spent" retoma alguns dos melhores elementos de "Music", evita redundâncias e aposta numa estrutura mais aventureira do que grande parte de "MDNA". A canção começa com o dedilhar de um banjo, aceita contaminações orquestrais e toques 8 bit, distorce a voz de Madonna e tem direito a um final vertiginoso, já em modo dançável. Entre o frenesim, Madonna deixa um pedido: "Hold me like your money/ Tell me that you want me/ Spend your love on me". Estará Guy Ritchie a ouvir?

11 - "Masterpiece": Tão deslocada como "Rain" em "Erotica", esta balada, se já não era especialmente impressionante (integra a banda-sonora de "W.E.", o novo filme realizado por Madonna), perde ainda mais quando surge depois do pico de intensidade da anterior. Essa mudança, a mais anti climática do alinhamento, atira Madonna e Orbit para mais uma variação apresentável, mas modesta, de algo que já fizeram melhor - pense-se numa "Time Stood Still" (curiosamente, também de uma banda-sonora, a de "Ligações Imprevistas") com um compasso mais R&B.

12 - "Falling Free": É preciso chegarmos ao final do disco para ouvirmos aquela que é, provavelmente, a sua grande canção. Casamento perfeito entre a voz de Madonna e a produção de William Orbit - a lembrar os dias áureos de "Ray of Light" -, "Falling Free" é também o que "Masterpiece" não conseguiu ser: a melhor balada da "material girl" em anos. Aqui Madonna dispensa batidas e mantém a eletrónica apenas como presença discreta, pontual e cenográfica, dando espaço à voz que, nunca tendo sido a sua maior qualidade, é mais expressiva e envolvente do que muitos dos seus detratores defendem - pelo menos em temas que a valorizam e sabem aproveitá-la, como este. O recurso equilibrado ao piano e cordas ajuda a que a canção seja simultaneamente grandiosa e introspetiva e, sublinhe-se, um desenlace brilhante para um disco não tão memorável.

*Além da edição standard, "MDNA" está disponível na versão deluxe, que inclui um CD extra com mais quatro inéditos - "Beautiful Killer", "I Fucked Up", "B-Day Song" e"Best Friend" - ea remisturados LMFAO "Give Me All Your Luvin' (Party Rock Remix)".

@Gonçalo Sá