"Hoje há mais facilidades do que no meu tempo, mas há muita coisa que se canta que passa por fado e não o é, há que saber distinguir", disse à Lusa Florinda Maria, vencedora em 1955 de um concurso fadista.

“Estreei-me em 1955 no Luso [restaurante], mas já cantava como amadora no Retiro do Pancão, em Almada, e em festas de beneficência”, afirmou a fadista. Em julho de 1955, Florinda Maria venceu ex-aequo com Julieta Estrela o concurso "Rainha das Cantadeiras", em Lisboa, promovido pelo jornal A Voz de Portugal. Um jornal da época afirmou que era “uma esperança dentro da estirpe” fadista e salientava que a sua voz “possuía o encanto fadista que a fazia alcandorar a um primeiro lugar muito merecido”.

Fazendo um balanço, a fadista afirmou que percorreu um trajeto de que se orgulha e de que guarda essencialmente “a grande amizade dos colegas”, tendo citado, entre outros, Maria José da Guia, Fernando Farinha, com o qual fez muitas digressões nacionais, Hermínia Silva, Amália Rodrigues, Fernanda Maria, Manuel Fernandes e Manuel de Almeida.

“Eu gostava de cantar, mas nunca tive aquele desejo de ser vedeta, daí talvez não poder dizer que tive grandes êxitos, de terem saído para o grande público, mas fiz uma carreira de que me orgulho, cantei nos Estados Unidos e em Espanha, e melhor do que tudo foram os muitos amigos que fiz, trabalhei com muito bons colegas”, declarou à Lusa.

Referindo-se ao fado atualmente, Florinda Maria – que, apesar de retirada, ainda canta "de vez em quando" - salientou “os muitos jovens fadistas e guitarristas de talento que existem atualmente" e citou, entre outros, Carminho, Ricardo Ribeiro, Raquel Tavares e Camané, sem esquecer, contudo, alguns mais antigos, entre eles Maria da Nazaré e António Rocha.

Florinda Maria defendeu a necessidade de os novos intérpretes criarem um repertório próprio, reconhecendo "ser natural cantar-se coisas de outros". “Nós também cantávamos coisas dos outros, eu cantei da Fernanda Maria, da Amália, da Hermínia e da minha prima, a Mariana Silva, que o Alfredo Marceneiro afirmou ser a que melhor estilava no seu tempo, mas no Luso, onde comecei, tínhamos de ensaiar dois fados novos por semana, para renovar e criar repertório próprio e não cantarmos fados dos outros”, recordou.

Sobre o seu repertório, apontou os fados “Malva Rosa”, que Carminho gravou recentemente, “Fadista novo” e dois fados para os quais fez a música: “Desejo meu”, com um poema de Florbela Espanca, e “Saídos do meu ventre sem destino”, de Alda Reis. “O primeiro era um poema de que gostava muito e até mostrei a música ao António Chaínho, não fosse um plágio, e ele até elogiou, e o outro era um daqueles fados proibidos antes do 25 de Abril de 1974, pois referia-se à situação de guerra nas ex-colónias”, contou.

Além do restaurante típico Luso, a fadista atuou na Adega do Mesquita, A Severa, Adega Machado, Lisboa à Noite, A Tipoia, Solar da Hermínia e O Lar Português, sempre em Lisboa.

Florinda Maria qualificou de “inimaginável” a classificação do Fado como Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura e destacou o papel do Museu do Fado, onde “gostaria de ver fotografias de fadistas que ajudaram a fazer um caminho e não estão lá, mesmo que tenham uma carreira mais pequena”.

A homenagem à fadista de 77 anos é uma iniciativa da Associação Cultural O Patriarca do Fado e realiza-se às 12:30 de domingo no restaurante típico O Timpanas, no bairro lisboeta de Alcântara.

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