No final da tarde, foram os portugueses You Can´t Win, Charlie Brown a fazerem a preparação dos ouvidos de quem já andava por estas paragens há uns dias ou de quem tinha vindo de propósito para a ‘final’ de 2014. Em palco, os meninos de Lisboa apresentaram ‘Diffraction?Refraction’, o seu mais recente trabalho.

Lee Ranaldo, guitarrista de Sonic Youth, trouxe até nós ‘Last Night on Earth’, um álbum marcado pelas guitarras eletrizantes e que consegue criar um contraponto entre o experimentalismo e o rock de autor. Mas caberia aos Neutral Milk Hotel, a reunião da primeira multidão do dia para ver uma banda que não permitiu as habituais fotografias de início de concerto. Em palco, os ‘folkistas’, que só lançaram dois álbuns até à data, mas que já conseguiram criar uma espécie de lenda à sua volta, ora tocaram em conjunto ora deixaram o protagonismo todo para Jeff Mangum, que chegou a ficar sozinho em palco. Houve tempo para ouvir ‘The Fool, ‘A Baby For Pree’ e ‘Song Against Sex’, entre outras. Um espetáculo que já fazia uma diferença para os dias anteriores, cujo brilhantismo esteve quase sempre reservado para os cabeças de cartaz.
E não foi um cabeça de cartaz a dar um dos melhores concertos, até o mais intimista – se é que é possível num evento destes – da noite: John Grant é um músico maravilhoso, muito generosos e um excelente comunicador. Ofereceu-nos admiração: “Azulejos, azulejos, can’t get enought of them”, “This song it’s definitely not about Porto. It’s called ‘Where Dreams Go To Died’”, anunciou. Pela início da noite, ouviu-se também ‘Marz’, ‘Pale Green Ghosts’, a comovente interpretação de ‘Doesn’t Matter to Him’, como é quase sempre a forma de interpretar deste músico, de dicção perfeita e uma humildade irrepreensível, que pareceu faltar à maioria dos músicos presentes no Primavera. A eletrônica de Grant joga com a folk e a pop de uma forma brilhante e há sempre muito por detrás das palavras do músico, como as que entoa com ‘Greatest Mother Fucker’, que ele dedicou a “to you, all”. Um pontapé de saída perfeito para o resto da noite.
E boa parte da noite foi marcada pelos The National, uma das bandas que mais presenças marca entre nós e aquela que juntou mais espetadores nestes três dias. E foi um coro gigantesco aquele que se ouviu durante este concerto, com os milhares de pessoas a delirarem tanto com a energia de Matt Berninger – muito álcool à mistura – como com os temas, sucessos atrás de sucessos, que entoavam de cor. ‘Trouble Will Find Me’, o mais recente álbum, desfilou ao longo da noite, mas desfilaram temas de álbuns anteriores, como ‘Sorrow’ – partilhado em palco com Annie Clark, a mentora de St. Vincent, que iria cantar a seguir – ou ‘Terrible Love’, de ‘High Violet’; ou ‘Mr. November’ de ‘Alligator’. Em resumo, um excelente espetáculo, digam o que disserem os detratores desta banda que os considerem demasiado ‘repetentes’ nos palcos portugueses. As descidas de Berninger ao meio do público, obrigando a uma ginástica forçada de assistentes de palco e seguranças, é o que torna estes concertos memoráveis, assim como a voz a falhar. Chegar, tocar limpinho e sair parece o mais fácil. O difícil é ousar mais do que isso e os The National continuam a ser uma das bandas que melhor o fazem. E só isso já vale a pena. Para o final, à semelhança do que já haviam feito no Meo Arena, Lisboa, em novembro, ficou a versão acústica de ‘Vanderlyle, Crybaby Geeks’. Lamentavelmente não teve o mesmo efeito do que numa sala fechada, uma vez que, ao ar livre, ficou ‘poluído’ pelo som de Charles Bradley, a tocar no palco ATP. O mesmo já se havia verificado no concerto dos Kings of Convenience há dois anos, que ‘sofreram’ ao longo do concerto as intromissões do palco ATP.
E a noite continuou maravilhosa com a incrível performer Annie Clarck, a.k.a. St. Vincent. Em vez de colocada na boca de cena, como os intérpretes normalmente fazem, Annie optou por estar num ponto mais elevado no centro do palco. Vestida de negro e vermelho, foi uma dramática cantora e guitarrista que se apresentou perante o público, que delirou com a sua voz e as suas performances: a dança que se confunde com o teatro, os gestos que se evidenciam através da música. Do álbum homónimo, ainda deste ano, são retirados temas como ‘Digital Witness’ e ‘Give Me Your Love’, mas também há tempo para ouvir os ‘mais velhinhos’ ‘Cruel’, ‘Cheerleader’ e ‘Marrow’, entre outros. A cantora norte-americana poderia ter ficado ‘ensombrada’ pelo execelnte concerto que os The National haviam dado, mas não foi o caso. Revelou-se afinal a escolha certa para o pós, uma vez que manteve o mesmo nível de qualidade que os seus conterrâneos, com quem já tinha dividido o palco.
Por isso, se pode dizer que à terceira foi de vez. Num evento que trouxe cerca de 70 mil pessoas ao parque da Cidade, de mais de 40 países, e depois da quebra tradicional ao pop rock, ao rock e à música eletrônica, da primeira noite; à constante musical, maioritariamente instrumental, da segunda noite, coube ao terceiro dia a diversidade. Em jeito de despedida ou em jeito de promessa para 2015? Vamos esperar para ver.

Texto: Helena Ales Pereira
Fotografias: Nuno Gabriel Moreira