A ligação de Ricardo Toscano ao jazz começou no berço e soube ainda na infância que um dia seria saxofonista de jazz, sem nunca ter definido um plano B, caso tudo falhasse.
A paixão que tem pelo jazz mais tradicional foi-lhe passada pelo pai, “saxofonista, músico profissional, e um apaixonado” por aquele estilo musical.
“A banda sonora da minha infância foi o jazz. Se não fosse o meu pai, eu nem tocava. Ele diz que me adormecia, quando eu era bebé, a ouvir o Cannonball Adderley, o [John] Coltrane [saxofonistas norte-americanos] e essa malta”, partilhou, em entrevista à Lusa, reforçando que aquele estilo musical “fez sempre parte” da sua “memória auditiva”.
Aos oito anos, na Amora, concelho do Seixal, começou a “tocar clarinete, na Filarmónica”.
“Desde cedo, embora, tivesse começado a tocar clarinete - e toquei música clássica -, eu já sabia que ia ser saxofonista de jazz. Estava na minha consciência, sabia que ia fazer o que faço hoje em dia”, recordou, convicto.
Aos 13 anos, entrou no Conservatório Nacional e, aos 15, na escola profissional da Orquestra Metropolitana de Lisboa, em ambos para estudar clarinete.
Nesta altura começou a rejeitar coisas que hoje em dia adora, “como a música clássica”. No Conservatório teve “algumas complicações com os professores, por querer ser músico de jazz”.
“Isso fechou-me um bocado os ouvidos à música erudita na altura. Mas, hoje em dia, adoro, só não quero é tocar”, contou.
Em Lisboa, a escola do Hot Clube partilha o edifício com a Metropolitana. Então, aos 16 anos estudava saxofone na primeira e clarinete na segunda.
Aos 17 anos entrou para a Escola Superior de Música, no regime sobredotado. Foi com essa idade, em 2010, que foi considerado saxofonista revelação, na 8.ª Festa de Jazz do São Luiz.
Com 25 anos, leva já quase dez anos de carreira. “Comecei a tocar profissionalmente aos 15/16 anos. É verdade que já lá vão uns anos, mas agora é que sinto que estou a começar”, afirmou à Lusa.
O disco de estreia chega agora, em modo quarteto. “É o nosso disco. Isto é a malta com quem eu mais gosto de tocar, são os meus amigos, temos evoluído juntos, já tocamos juntos há cinco anos, é um caminho nosso, embora cada um tenha evoluído na sua direção, e a piada também é essa. Assim temos mais para trazer para o coletivo”, referiu.
O quarteto é formado, além de Ricardo Toscano, por João Pedro Coelho (piano), Romeu Tristão (contrabaixo) e João Lopes Pereira (bateria).
Embora a composição de cinco dos seis temas seja da responsabilidade de Ricardo Toscano e seja dele o nome do quarteto, “sozinho não fazia nada disto”.
“Se eu chamasse pessoas, 'vamos fazer isto e isto e gravar neste dia', ia ser diferente. Ia ser uma coisa mais narcisista e menos coletiva. Neste caso é mais coletiva, cada um dá o seu melhor e eu confio nas propostas que eles põem na mesa, enquanto estamos a tocar, em vez de eles estarem a tentar corresponder às minhas expetativas”, disse à Lusa.
Tudo aquilo que Ricardo Toscano fez para o disco “é uma consequência de todas as coisas” de que gosta e de todas as suas “influências”.
“Aquilo tudo que nós fizemos, e que eu fiz, é o registar de um processo”, disse.
Desse processo fazem parte, por exemplo, viagens do quarteto numa minidigressão em Espanha, onde passaram por paisagens desérticas, e de Ricardo Toscano a Angola. O tema “Almeria” “é a mistura daquela paisagem com uma linha baixo com uma clave mais africana”.
“Grito Mudo” é uma visão do saxofonista de si mesmo, “quando estava a passar por uma fase menos boa”, contrastando com “Our Dance”, um tema “que é feliz, tem coisas bonitas, é uma dança”.
Já “Lament”, “tem a sua parecença com o fado, mas ao mesmo tempo homenageia aquele som do quarteto do Coltrane nos anos 60”.
No disco “Ricardo Toscano Quartet” um dos temas, “The Sorcerer”, é do pianista Herbie Hancock, que “é o maior, ponto”.
“Os conceitos de improvisação do Herbie, a forma como ele se expõe ao perigo, e ao mesmo tempo a conseguir alcançar aquelas coisas todas que consegue cada vez que toca. Revejo-me muito nesses ideais. Eu quero fazer isso. Quero tentar, quero falhar para tentar melhor”, defendeu.
Dos músicos de jazz vivos, Ricardo Toscano destaca como “os maiores”, além de Herbie Hancock, “um dos verdadeiros soldados da improvisação, que luta todos os dias para que essa música não morra”, o saxofonista Wayne Shorter e o baterista Roy Haynes.
Um apaixonado do jazz mais tradicional, Ricardo Toscano acredita que, “se todas as pessoas tivessem acesso a conhecer o jazz por ordem cronológica, o público de jazz era muito mais vasto”.
“O público hoje em dia é exposto ao jazz mais moderno, que é o que faz sentido para os artistas de hoje em dia, que estão a fazer coisas de hoje. São propostas muito fortes e muito vincadas, e se a malta tivesse acesso àquilo que já aconteceu, conseguia perceber melhor o processo o que levou ao que fazem os artistas hoje, mas acho que é sempre assim nos movimentos artísticos”, disse à Lusa.
Além de ser músico profissional, Ricardo Toscano dá aulas de saxofone no Hot Clube, porque quer “ajudar a próxima geração”.
Se, por acaso, a música tivesse falhado, “nunca houve um plano B”.
“Eu não sei fazer mais nada. Jogador da bola já não posso, mas jogava bem à bola. Pugilista já sou velho para ser, mas treino todos os dias. É o meu ‘hobby’”, partilhou.
O ‘hobby’ começou há cerca de cinco anos e ajudou-o a “conectar-se melhor” com o corpo e até acha que toca melhor “por causa disso”.
“Na música sempre fui uma pessoa talentosa, modéstia à parte, e no boxe não era de todo talentoso, isso ensinou-me a lidar com dificuldades e frustrações de um adulto a tentar aprender uma coisa. Ensinou-me muito e faz-me ver o trabalho diário de outra forma, na música”, referiu.
Se tivesse mesmo que ter um plano B, ia ser “um treinador [de boxe] de nível mesmo alto”.
Mas como tal não deverá ser necessário, tem como projetos “continuar a aprender jazz, a aprender a tradição do jazz e a usar a inspiração toda de todos os grandes músicos” que já conheceu até hoje.
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