Além da banda sonora original tocada durante quase todo o espetáculo, também a música dos norte-americanos Dead Kennedys e The Velvet Underground estão bem presentes na peça, que faz parte da programação do "Teatro S. Luiz Fora de Portas".

A roupa negra e as botas Doc Martens marcam o figurino de “Aquilo que Ouvíamos”, espetáculo em que o público pode verificar como a música foi e é parte da identidade das pessoas que a escutam.

“Aquilo que Ouvíamos” começa com o recordar de um concerto no Coliseu, com a sala meia, e, à medida que os atores vão dançando as músicas que eram suas, um ecrã vai projetando cenas da peça.

Telefones colocados no chão ao lado de caixas de madeira, onde cada ator guarda parte da sua identidade – cassetes gravadas com as músicas preferidas, gravadores e 'walkmen', que eram “uma extensão de si próprios” -, pautam o cenário do Lux Frágil onde, além de uma peça, acabamos também por assistir a um concerto de música original composta para esta criação.

“Aquilo que ouvíamos” era uma ideia que o Teatro do Vestido “já tinha há alguns anos, um espetáculo sobre as memórias da música” e que, apesar de ter começado a ser trabalhado em 2020, só é posto em palco um ano depois, devido à pandemia.

“Quando encontrámos coprodutores – e assim que conseguimos reunir a equipa -, começámos a trabalhar o projeto”, para o qual foi feita uma residência criativa no Centro de Criação de Candoso, em Guimarães, com o apoio do Centro Cultural Vila Flor, disse à Lusa a diretora do Teatro do Vestido e autora do texto, Joana Craveiro, que dirige o espetáculo, remetendo para o início do projeto, em fevereiro de 2020.

“São memórias nossas embora não sejam todas nossas”, disse a criadora, acrescentando haver uma memória de uma entrevista que fez mais recentemente. “Uma entrevista a uma pessoa de uma outra geração, anterior à nossa, e que testemunhou a chegada do punk rock a Portugal”, frisou.

“A música era essencial", "as pessoas eram essenciais”, “sermos poucos era essencial” são frases repetidas pelos atores ao longo de toda a ação. "Essencial era não estarmos sozinhos", afirmam também.

A música era portanto pretexto e forma de as pessoas “se sentirem menos sós”. E isso “era essencial”.

Não é, pois, de estranhar que, durante o espetáculo surjam cenas em que as músicas que cada um ouvia eram gravadas e regravadas e passadas entre mãos para amigos, como se os intervenientes elaborassem programas de rádio próprios, para si mesmo e para os seus pares.

Cantar, trautear, ficar a ouvir ou dançar são constantes ao longo da ação de “Aquilo que Ouvíamos”, que chega ao palco no ano em que o Teatro do Vestido assinala 20 anos de existência.

Sobre o processo de construção do texto, Joana Craveiro disse à Lusa ter escrito “muito por cima das músicas, a propósito daquilo que eles estavam a fazer” ou dos desafios que iam lançando uns aos outros sobre alguns temas.

“Aquilo que Ouvíamos" vai também permitir aos espectadores redescobrirem uma Lisboa e outras cidades onde as histórias musicais nele contadas possam ainda ecoar.

Neste espetáculo, que parte das experiências de escuta de música alternativa – de meados dos anos 1980 à passagem para os anos 1990 –, cabem várias gerações e vivências, pelo que acaba também por ser uma peça sobre as atividades e as experiências dos que se organizavam em torno dessas músicas.

Com texto e direção de Joana Craveiro, “Aquilo que Ouvíamos” tem cocriação e interpretação de Estêvão Antunes, Inês Rosado, Joana Craveiro e Tânia Guerreiro.

Os músicos convidados, que também participaram na criação do espetáculo, compuseram a banda sonora e a interpretam, são Bruno Pinto, Francisco Madureira e os Loosers (Guilherme Canhão, José Miguel Rodrigues e Rui Dâmaso).

O espetáculo conta com a participação especial de Ricardo Jerónimo, Sónia Guerra e Tatiana Damaya .

Os figurinos são de Tânia Guerreiro, a cenografia, de Carla Martinez, a imagem, de João Paulo Serafim e, o vídeo direto, de Henrique Antunes, Sónia Guerra e Tatiana Damaya, além de João Paulo Serafim. A iluminação é de Leocádia Silva e o som de Pedro Baptista e Sérgio Milhano.

“Aquilo que Ouvíamos” vai estar em cena no Lux Frágil, até 25 de junho, com representações de terça-feira a domingo, às 20h00.

Em janeiro de 2022, será representando no Teatro Carlos Alberto, no Porto, já que se trata de uma produção conjunta do S. Luiz Teatro Municipal e do Teatro Nacional S. João (TNSJ).

Ainda este ano, o Teatro do Vestido irá estrear uma nova criação: "Juventude Inquieta", inspirado n'"A Cidade das Flores", o primeiro romance de Augusto Abelaira (1926-2003).

A obra, escrita no final dos anos de 1950, visa diretamente a ditadura portuguesa de Oliveira Salazar, através de jovens da cidade italiana de Florença que partilham paixões e o ódio ao regime fascista de Benito Mussolini.

Abelaira, após o 25 de Abril de 1974, tornou claro que fizera apelo à "reterritorialização" para criticar o Estado Novo e evitar a censura, e refletir sobre o conformismo de gerações, que viviam já 30 anos de repressão.