Cantora, compositora e instrumentista, Joyce vai atuar no Auditório de Espinho no âmbito de uma digressão internacional e, em entrevista à Lusa, recordou algumas das situações em que as suas letras foram censuradas, no período entre 1967 e os anos 1980, durante a ditadura militar.

"Houve o caso da minha primeira canção, 'Me Disseram', que apresentei no Festival da Canção de 1967 quanto tinha 19 anos e que causou escândalo por conter a expressão 'meu homem'", lembra a artista. "Fui chamada de 'imoral' e, alguns anos depois, no auge da censura, já na década de 1980, também tive censurada, entre outras, uma canção que continha as palavras 'grávida' e 'parir'", acrescenta.

Joyce acredita que, nesses tempos, "a perspetiva feminina incomodava demais", mas, 50 anos depois, não coloca de parte que, dada a atual conjuntura sociopolítica do seu país, certos temas possam voltar a motivar intolerância: "Estas questões pareciam totalmente bem resolvidas no Brasil... Mas com o rumo que o país está tomando, já não sei mais".

Embora admitindo-se mais próxima do samba-jazz do que da bossa nova ou do tropicalismo, a cantora defende que a sua música "não tem rótulo" e afirma que, cinco décadas depois, se mantém "independente" e "cada vez mais interessada" em investigar o seu "instrumento, a condição feminina, as coisas do Brasil e do mundo".

"No início de minha carreira, eu escrevia muito na primeira pessoa do feminino, o que ainda faço, com a diferença de que hoje a temática é mais abrangente: não quero falar apenas sobre mim e, nas letras, sigo buscando uma visão de mundo a partir de uma perspetiva feminina", explica à Lusa.

Já no caso da composição musical, diz continuar a aprender "coisas novas todos os dias, crescendo e evoluindo", pelo que a esse nível procura "apenas liberdade e criatividade", por muito difíceis que possam estar a tornar-se as condições para o exercício artístico no Brasil.

"Estas alterações [políticas recentes] ainda terão de ser avaliadas, mas a classe artística, como um todo, tem sido muito ameaçada e sofrido difamações de todos os tipos por parte de uma gente ultraconservadora", realça Joyce. "A mesma coisa começa a dar-se nas universidades e em todos os lugares de pensamento, pelo que agora é um momento de reflexão - vamos ver até onde vai dar essa onda, mas há uma frase do poeta e letrista Ronaldo Bastos de que gosto muito: 'enquanto tiver bambu, tem flecha'", proclama.

Espírito combativo e experiência não invalidam que Joyce se surpreenda quando questionada sobre o papel pedagógico que terá exercício sobre gerações posteriores de artistas e públicos. "Nunca pensei nisso, mas, de facto, há hoje muitas compositoras, cantoras, instrumentistas, arranjadoras - jovens mulheres fazendo música - que dizem terem sido influenciadas pelo meu trabalho e pela minha postura, desde sempre. Isso é uma alegria muito grande", confessa à Lusa.

No Auditório de Espinho, Joyce Moreno assegurará a voz e violão em quarteto com Tutty Moreno, na bateria, Hélio Alves, ao piano, e Rodolfo Stroeter, no baixo.

Depois de espetáculos pela Áustria, Bélgica, Suécia, Dinamarca e Reino Unido, o concerto em Espinho fecha também um ciclo de 50 anos na carreira internacional da intérprete, que assume que atuou em Portugal "menos do que gostaria", mas realça que foi em Lisboa que, em 1969, iniciou o seu percurso profissional no estrangeiro, num espetáculo com Edu Lobo, no Teatro Villaret.

Para o concerto deste sábado promete um repertório que será "uma mistura de tudo" o que criou em cinco décadas de trabalho, no que se incluirão tantos êxitos consagrados como temas do seu álbum de estreia, reeditados este ano "com um olhar novo".

"Tenho carinho pelo álbum de há 50 anos, mas quis refazê-lo e as canções ficaram mais jovens! Desta vez fiz os arranjos, toquei violão em quase todas as faixas e, na minha opinião bastante suspeita, a cantora de 2018 é bem melhor do que a de 1968", promete.