Ao longo de quase 500 páginas, o investigador debruçou-se sobre a forma como quatro canções da música popular nacional circularam e foram apreendidas pelo público português, sendo testemunhas das mudanças na sociedade.
Embora seja abordado um repertório mais extenso, o livro centra os seus capítulos nas canções “Vocês sabem lá”, interpretada por Maria de Fátima Bravo, “Desfolhada”, por Simone de Oliveira, “A lenda de el-rei D. Sebastião”, do Quarteto 1111, e “Venham mais cinco”, de José Afonso.
O período abrangido vai do final da II Guerra Mundial até pouco antes da Revolução de Abril de 1974, registando, por isso, as diferentes dinâmicas sociais e modos de produção e apropriação da música portuguesa, no longo regime ditatorial de António de Oliveira Salazar.
“A música popular foi um campo de negociação da identidade nacional num contexto marcado em Portugal pelo antagonismo entre a pulsão isolacionista e autoritária e a irreprimível internacionalização económica e social”, escreveu Luís Trindade.
Se a canção “Vocês sabem lá” representa a importância da rádio na definição do que era a música ligeira desde os anos 1940, “A desfolhada” surge como um momento de transformação social e artístico no final da década de 1960, alavancado pelo aparecimento da RTP, em 1957, e pelo Festival da Canção, em 1964.
A permeabilidade de Portugal a influências externas, à “americanização cultural”, é abordada a propósito de “A lenda de el-rei D. Sebastião”, na década de 1960 - a edição original é de 1967 -, enquanto “Venham mais cinco”, que deu nome ao álbum de José Afonso editado no final de 1973, a poucos meses da 25 de Abril, personifica a canção mais politizada, engajada, acompanhando o final da ditadura e os primeiros sinais de liberdade.
Em “Silêncio aflito”, recorrendo a vasta bibliografia e recortes de imprensa da época, Luís Trindade faz “uma reconstituição das condições sociais, comunicacionais e políticas em que as canções foram escutadas e puderam assim fazer sentido naquele contexto histórico”.
O autor aborda conceitos sobre canção nacional, música ligeira e nova canção portuguesa, e verifica que “a história mítica da canção portuguesa não está isenta de contradições”.
“Ela combina a radicalização política dos anos 1960 com uma aposta clara nas formas de comunicação contemporâneas, mas esta forte consciência do tempo não impediu que os seus temas fossem permeados por sonoridades tradicionais do imaginário rural”, lê-se no livro.
“Silêncio aflito – A sociedade portuguesa através da música popular (dos anos 40 aos anos 70)” resulta de uma investigação de Luís Trindade através do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.
Luís Trindade é professor de História Contemporânea “e tem desenvolvido investigação na área da história cultural, em particular sobre o nacionalismo, a imprensa, o cinema, o neorrealismo, a música popular e os intelectuais em Portugal no século XX”, lê-se na nota biográfica.
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