Carolina Serrão, encenadora da peça, disse à agência Lusa que, embora o texto da peça da dramaturga britânica se situe no século XVII, o espetáculo foi posto em palco com características intemporais, pois as questões que aborda “continuam atuais”.

A libertação do corpo da mulher que “habitualmente vive aprisionado em sociedades patriarcais” é um dos temas que perpassam o texto da dramaturga britânica, que é levado à cena pela primeira vez em Portugal, observou a encenadora.

Carolina Sessão disse que “Tom vinagre” é uma peça política, feminista e socialista, e pretende alertar as pessoas para não se deixarem ir em narrativas criadas para incutir medos e criar bodes expiatórios” tão característicos nas sociedades atuais “em que aumentam os populismos e as ‘fake news’”.

Escrita em 1976 como uma resposta irónica da dramaturga ao ambiente de medo e opressão imposto ao longo de séculos por uma sociedade patriarcal, o texto serve-se do ambiente da caça às bruxas em Inglaterra durante a Idade Média para analisar temas ainda atuais.

Um casal de agricultores atingido por adversidades como a morte de animais, as desgraças na leitaria, a impotência de Jack ou as dores incontornáveis de Margery são o pano de fundo da peça.

Sem acreditarem que Deus castiga gente de bem, Jack e Margery acabam por responsabilizar as vizinhas Joan e a filha desta, Alice, pelos azares que atingem a comunidade.

O medo das mulheres que não pautam a vida pelos códigos de moralidade vigente vai aumentando, até à chegada à aldeia de um famoso caçador de bruxas.

Mais duas mulheres são acusadas de bruxaria na peça, enquanto Betty, filha do proprietário daquela terra, como pertence a uma classe superior, será acusada de histeria. As quatro primeiras mulheres acabam por ser enforcadas enquanto Betty será vítima de sangramentos.

A partir de uma frase que uma curandeira diz para Betty na peça (“Tu hás de casar e hás de contar aos teus filhos sobre as bruxas”), Carolina Serrão construiu um espetáculo apenas com as quatro mulheres condenadas à morte e Betty, com as primeiras a irem contando à segunda o que se passou.

A “questão do medo, que estamos a viver atualmente” é, para Carolina Serrão, algo “muito importante nesta peça” e que se mantém na atualidade, com a “caça às bruxas a manter-se quer em relação a mulheres quer a homens cujos comportamentos saem da norma vigente”.

Com muita “música eletrónica ou ao estilo de Brecht, com mensagens concretas para o público”, “Tom vinagre” acaba por ser uma peça “muito sobre a segunda vaga dos feminismos, que surgiu nos anos 1980”, acrescentou Carolina Serrão.

Daí que, para a encenadora, a peça também seja um “alerta para a regressão a que se assiste na conquista dos direitos”, mostrando que “até mesmo os direitos conquistados não são garantidos”.

Em cena até 26 de novembro, “Tom vinagre” tem sessões de quarta-feira a sexta, às 21:30, ao sábado, às 18:00, e, ao domingo, às 16:00. No dia 15 de novembro haverá tradução em Língua Gestual Portuguesa e, no dia 23, uma sessão legendada em inglês.

Como atividade complementar haverá, no dia 19, às 17:30, uma conversa sobre feminismo. Moderada por Carolina Serrão, à conversa vão estar Andreia Nunes, do Centro de Estudos e Investigação em Sociologia do ISCTE, e a médica Ana Campos.

Com tradução de Vera Palos, a interpretar “Tom vinagre” estão Catarina Marques Lima, Diana Narciso, Lúcia Pires, Márcia Cardoso e Mariana Branco.

A música, desenho de som e ‘live act’ é de Salnany, cenografia de Fabíola Emendabili e Frederico Pauleta, o figurino de Carolina Serrão e o desenho de luz de Rui Seabra.