A estreia de uma nova coreografia intitulada “Bantu”, reposições de peças como “Corpo Clandestino”, uma exposição e um livro sobre o seu percurso criativo também vão preencher o ano deste criador de 43 anos, nascido em Guimarães, que diz sentir-se “privilegiado por poder trabalhar com toda a liberdade”.
“Foram 20 anos muito felizes e passaram muito rápido. Muito preenchidos, intensos, felizes. Tenho só momentos felizes, e não tenho outros”, disse Victor Hugo Pontes numa entrevista à agência Lusa sobre as duas décadas de trabalho artístico.
"Camaleónica" e "impactante" é como tem sido descrita a sua obra, com uma força visual que navega na intersecção entre a dança e o teatro, em grande articulação com a cenografia, os figurinos, a luminotecnia e a sonoplastia. A música é também uma das suas grandes paixões.
“Foram vinte anos de grandes encontros, partilhas, memórias, laços, cumplicidades. Feitos com uma equipa que me acompanhou, muitos bailarinos com quem me cruzei, que me influenciaram imenso, e são a minha maior fonte de inspiração”, recordou, sobre criativos, músicos, cenógrafos, desenhadores de luz e autores de textos que habitaram as duas décadas.
O coreógrafo e encenador - cujo trabalho começou a despontar em 2003, com “Puzzle” – sente que o seu percurso tem sido vantajoso: “Sou um privilegiado porque há 20 anos que faço aquilo que quero, gosto e que me deixam fazer”.
“Nunca tive censura em nenhum dos trabalhos que fiz. Tive sempre liberdade total, e isso é sempre importante: um artista ter a liberdade para poder trabalhar da forma que quer, e dizer aquilo que quer”, defendeu o criador, que tem apresentado obras por todo o país, e também em países como Espanha, França, Itália, Alemanha, Rússia, Áustria e Brasil.
Victor Hugo Pontes começou a carreira pelas danças tradicionais e pelo teatro, estudou artes plásticas e pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, não imaginando que um dia viria a dirigir uma estrutura chamada Nome Próprio, nessa cidade.
Após duas décadas, o reconhecimento do seu trabalho pelos pares “ganha uma expressão muito grande” numa atividade multidisciplinar, também ligada ao ensino, e à coordenação de projetos com outros artistas.
“Inicialmente seguia muito os impulsos sobre temas que me eram próximos, ou porque me tocavam. Isso agora também acontece, mas eu tenho mais consciência, o meu mundo aumentou, comecei a relacionar-me com mais pessoas, e mais diversas. O mundo também mudou muito”, observou, acrescentando que tenta acompanhar essa mudança dando foco a questões que acha importantes nas peças que leva a palco.
Sobre o que deseja exprimir cada vez mais, não tem dúvidas: “Creio que me fui tornando mais político naquilo que quero dizer, temas que quero abordar, trazer para o centro” da visibilidade artística.
Por esse motivo – exemplifica - fez trabalhos como “Margem”, inspirado no romance de Jorge Amado, “Capitães da Areia” (1973), sobre crianças de rua, e questionou-se sobre essa realidade nos dias de hoje, dos jovens em risco na periferia da vida.
Preocupação similar esteve na origem de “Meio no Meio”, resultado de um projeto que incluiu jovens não profissionais residentes em zonas de Lisboa, Moita, Almada e Barreiro, e de “Corpo Clandestino”, com um elenco de corpos não-normativos, peça criada por oposição a classicismos e ideais de beleza física.
Com estas opções, Victor Hugo Pontes pretende “aumentar vozes que normalmente não são amplificadas, iluminar corpos que vivem na escuridão, e dar o centro a quem está na periferia”, sublinhou à Lusa.
“Não gosto da expressão de dar voz, porque as pessoas já têm voz. Prefiro dizer que amplifico a voz das pessoas porque elas já têm coisas para dizer, mas não são ouvidas”, esclarece o coreógrafo que frequentou a Norwich School of Art & Design, em Inglaterra, e estudou teatro no Balleteatro Escola Profissional, e no Teatro Universitário do Porto, além de pesquisa e criação coreográfica no Forum Dança.
Dar visibilidade a realidades que a sociedade marginaliza, com um questionamento constante, faz parte do seu processo criativo, acompanhado pela necessidade de manter a experimentação artística.
“Há temas que parece que não são políticos, mas também são políticos. Tudo é uma escolha política", reitera, acrescentando que aquilo que escolhe para estar em cena é sem dúvida um gesto político.
Mesmo com este posicionamento, diz que não é de fazer grandes testemunhos, comentários ou opiniões nas redes sociais, porque o seu trabalho “fala por si”, e que as opções que toma, “sejam temáticas ou de elenco, têm uma carga simbólica muito grande” e revelam convicções.
Por outro lado, ao escolher certos temas – como a forma como as pessoas se amam e como estão em público - também cria “desafios imensos”.
“Eu coloco-me fora da minha zona de conforto. Crio estes desafios para criar obstáculos na minha criação e desafiar-me a criar lugares novos, para não repetir fórmulas que já conheço”, apontou.
Victor Hugo Pontes gosta que alguém conte a sua própria história em palco, mesmo que não seja um intérprete profissional, sem qualquer experiência.
Para isso, desenvolve um processo para colocá-las em palco “com dignidade, não para mostrar apenas as suas fragilidades, mas também as suas forças”, como exemplifica “Corpo Clandestino”, peça estreada em Setúbal, em 2022, e que será reposta a 16 e 17 de fevereiro, na Culturgest, em Lisboa.
“Estas pessoas conseguiram ter este grau de exposição porque aquilo que construímos como coletivo é tão forte que vence todas as barreiras. As pessoas ficam empoderadas enquanto indivíduo, na sua vida quotidiana”, conclui, sobre um longo trabalho conjunto de preparação até manifestar-se em palco.
Questionado sobre se já pensou em criar uma ópera, sendo o seu trabalho bastante multidisciplinar, Victor Hugo Pontes respondeu: “Confesso que é uma das coisas que eu gostaria mesmo muito de fazer porque junta a música, a dança, o canto, o teatro, complementa todas as artes performativas”.
“Eu adoraria fazer uma ópera. Pode ser que nos próximos 20 anos eu seja desafiado para isso”, disse, acrescentando que só levaria a cabo um projeto dessa dimensão nas condições necessárias para garantir a qualidade que idealiza.
Sobre o trabalho do futuro a médio prazo, referiu que a sua estrutura concorreu pela primeira vez ao apoio quadrienal da Direção-Geral das Artes, após ter conseguido anteriormente apoio bienal.
“Ficámos em primeiro lugar, portanto temos segurança para os próximos quatro anos”, apontou o criador, contente por ter conquistado garantias de continuidade da Nome Próprio – Associação Cultural, que dirige desde 2009.
Victor Hugo Pontes lamentou que “outras estruturas não tenham tido a mesma sorte", acrescentando que "os concursos não foram justos de todo, perante a quantidade enorme de estruturas a concurso”.
Também “a dotação [financeira] não era de todo suficiente para o número de candidatos e projetos com qualidade que deveriam ter sido apoiados”, avaliou sobre um processo concursal que tem gerado protestos por parte da comunidade de artistas e estruturas de criação/produção.
Dos próximos anos, o coreógrafo, ator e encenador – professor de teatro da Universidade do Minho - espera que “sejam tão intensos como os 20 que passaram”.
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